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A evolução humana poderá ter-nos dado cérebros maiores — com um custo inesperado: o de nos ter deixado mais vulneráveis ao cancro, revela um novo estudo.
Uma pequena alteração genética que ajudou a dar aos humanos os seus cérebros grandes pode ter-nos tornado simultaneamente mais suscetíveis ao cancro do que os nossos parentes primatas mais próximos, revela uma nova investigação do UC Davis Comprehensive Cancer Center.
O estudo, publicado esta semana na Nature Communications, revela como uma única substituição de aminoácidos numa proteína imunitária chamada Fas Ligand torna as células humanas de combate ao cancro menos eficazes contra tumores sólidos em comparação com chimpanzés e outros primatas não humanos.
Os autores do estudo descobriram que os humanos têm uma mutação única, na qual o aminoácido serina substitui a prolina na posição 153 da proteína Fas Ligand.
Esta alteração aparentemente mínima torna a proteína vulnerável a ser desativada pela plasmina, uma enzima que os tumores usam para se espalharem pelo corpo.
“A mutação evolutiva no FasL pode ter contribuído para o maior tamanho do cérebro nos humanos”, diz Jogender Tushir-Singh, professor de Microbiologia Médica e Imunologia e autor sénior do estudo, citado pelo Science Blog.
“Mas no contexto do cancro, foi um compromisso desfavorável porque a mutação dá a certos tumores uma forma de desarmar partes do nosso sistema imunitário”, acrescenta o investigador
A investigação sugere que esta alteração genética ajudou o desenvolvimento neural durante a evolução humana, mas veio com um custo inesperado: maior vulnerabilidade ao cancro nos humanos modernos.
Como os tumores exploram esta fraqueza
A Fas Ligand serve como uma arma crucial para as células imunitárias, desencadeando a morte celular programada nas células cancerígenas através de um processo chamado apoptose. No entanto, a versão humana desta proteína contém uma fraqueza estrutural que os tumores agressivos podem explorar.
Em cancros como o cancro da mama triplo-negativo, cancro do cólon e cancro do ovário, níveis elevados da enzima plasmina podem neutralizar a Fas Ligand humana antes de esta matar as células tumorais.
Este mecanismo ajuda a explicar por que certas imunoterapias funcionam bem contra cancros do sangue, mas frequentemente têm dificuldades com tumores sólidos.
Os investigadores descobriram que a Fas Ligand humanoa é altamente suscetível à clivagem pela plasmina, enquanto as versões de chimpanzé e macaco rhesus resistem a esta degradação.
Além disso, concluiram que tumores com níveis elevados de plasmina mostram maior resistência ao tratamento – e que bloquear a plasmina pode restaurar o poder de matar cancro das células imunitárias humanas
A descoberta oferece novas estratégias para melhorar o tratamento do cancro. Ao combinar imunoterapias atuais com inibidores de plasmina ou anticorpos especialmente desenhados que protegem a Fas Ligand, os investigadores podem ser capazes de melhorar as respostas imunitárias contra tumores sólidos.
Testes em células de cancro do ovário derivadas de pacientes confirmaram que tumores com alta atividade de plasmina eram significativamente menos sensíveis ao Fas Ligand humano comparado com as versões de primatas. Bloquear a atividade da plasmina restaurou a eficácia das células imunitárias que matam o cancro.
“Os humanos têm uma taxa significativamente maior de cancro do que chimpanzés e outros primatas”, observou Tushir-Singh. “Há muitas coisas que ainda não sabemos e podemos aprender dos primatas, para aplicar em melhorias das imunoterapias do cancro humano”.
A ligação cerebral
O contexto evolutivo adiciona outra camada a esta descoberta. Os cérebros humanos são aproximadamente três vezes maiores que os cérebros de chimpanzé, requerendo uma regulação cuidadosa da morte celular durante o desenvolvimento.
A mesma mutação que tornou a Fas Ligand vulnerável à plasmina pode ter proporcionado vantagens durante o desenvolvimento neural, ao reduzir a morte celular prematura no tecido cerebral.
Isto representa um compromisso evolutivo clássico, onde alterações genéticas benéficas para uma característica transportam custos ocultos noutros locais.
Padrões similares foram observados com outros genes relacionados com o cancro como o p53 e o BRCA2, onde variações que proporcionam vantagens em alguns contextos aumentam a suscetibilidade à doença noutros.
A equipa de investigação demonstrou que anticorpos direcionados a regiões específicas da Fas Ligand podem protegê-lo da degradação pela plasmina sem interferir com a sua função de matar cancro.
Em estudos com ratinhos, estes anticorpos protetores restauraram com sucesso a eficácia das células imunitárias contra tumores ricos em plasmina.
As descobertas sugerem que medir os níveis de plasmina nos tumores poderia ajudar a prever quais pacientes poderiam beneficiar de terapias combinadas direcionadas tanto aos pontos de controlo imunitários como ao sistema de plasmina.
“Este é um passo importante para personalizar e melhorar a imunoterapia para os cancros positivos para plasmina que têm sido difíceis de tratar”, conclui Tushir-Singh.