ZAP // Jeffrey Phelps / EPA (montagem)

Durante a campanha para as presidenciais de 2024, Donald Trump atacou duramente o “socialismo” — mas tem-se sentido confortável a usar o poder do governo para alcançar controlar a economia, divergindo da abordagem tradicional de livre mercado do Partido Republicano.
Desde que iniciou o seu segundo mandato como presidente dos EUA, Donald Trump tem surpreendido pelas suas posições inesperadamente interventivas na economia norte-americana.
Tentou coagir as empresas farmacêuticas a baixar os preços dos medicamentos através de decreto executivo.
Avisou publicamente a Walmart para não aumentar os preços em resposta às suas tarifas, e enviou em privado a mesma mensagem às fabricantes de automóveis.
A sua administração sinalizou que os agricultores poderiam ser resgatados de qualquer dano de mercado causado pela sua pressão para refazer a ordem comercial mundial.
E na semana passada, Trump gabou-se do que equivale a uma quase-nacionalização da indústria siderúrgica, diz o Quartz.
“Temos uma acção dourada, uma participação dourada, que eu controlo, ou que um presidente controla”, disse Trump sobre a venda em curso da U.S. Steel à japonesa Nippon Steel. “Isso dá-vos controlo total.”
A “participação dourada” de Trump na U.S. Steel, negociada como parte de uma venda há muito adiada, “estende-se eternamente”, disse no X o Secretário do Comércio, Howard Lutnick.
Esta Golden Share dá a Trump ou a um seu representante poder de veto para garantir que a produção de aço atinja determinado nível — e que os empregos da U.S. Steel., que se tornará em breve uma subsidiária da Nippon, não sejam transferidos para fora dos EUA.
Durante a sua campanha presidencial, no ano passado, Trump criticou duramente o socialismo, classificando frequentemente os seus adversários políticos como “comunistas” e “marxistas”.
Quando a candidata democrata e então Vice-Presidente Kamala Harris fez campanha contra a especulação de preços nos produtos alimentares, Trump chamou-lhe “Camarada Kamala“.
Mas como presidente, Trump tem estado muito à vontade a usar o seu poder para obter resultados económicos específicos, afastando-se da abordagem tradicional do Partido Republicano de não interferência e livre mercado.
Trump tomou medidas públicas, por vezes agressivas, para exercer maior controlo sobre o comportamento e decisões de empresas cotadas em bolsa — no que o Quartz chama de “socialismo à moda de Trump“, com o presidente a pôr de lado a mão invisível de Adam Smith e a colocar-se a si mesmo no comando.
“Várias políticas de Trump pendem para o controlo central em vez de optar por incentivos de mercado”, diz Erica York, economista da Tax Foundation, ONG de tendência conservadora.
“Seja o acordo com a U.S. Steel, as tarifas específicas por país e indústria, ou as excepções no código fiscal para certas indústrias e tipos de trabalho, demasiadas políticas da administração pendem para maiores graus de envolvimento governamental na tomada de decisões económicas”, nota York.
O governo dos EUA tomou pela última vez uma Golden Share no resgate federal da General Motors após a crise financeira de 2008. A participação na U.S. Steel alinha os EUA mais com países como a China e o Brasil, que detêm participações douradas em indústrias estratégicas valiosas.
“O que fizeram foi, de forma muito elaborada, nacionalizar a U.S. Steel“, diz Douglas Holtz-Eakin, presidente do instituto conservador American Action Forum. “E isso não é algo que um conservador genuíno faria. É muito parecido com ser um peronista da Argentina“.
“É simplesmente ‘L’état, c’est moi’, não é? Trump é o estado“, diz também o economista Scott Lincicome, o vice-presidente da organização libertária Instituto Cato, referindo-se a uma declaração atribuída ao Rei francês Luís XIV.
“Ele não é um esquerdista progressista convicto, mas há certas coisas de que gosta. Há certas coisas que quer controlar”, acrescenta Lincicome.
De forma ampla, o socialismo envolve a redistribuição da riqueza, serem os decisores políticos a escolher quem ganha e perde na economia, e o governo controlar os meios de produção em lugar das empresas, entre outros princípios.
Nos EUA, como em muitos países, elementos de socialismo já se misturam com o capitalismo, particularmente no seguro social para idosos e na cobrança de impostos para financiar estradas e escolas públicas.
“Não creio que o objectivo final seja o socialismo”, disse York sobre as acções de Trump, “mas a administração Trump não é estranha ao uso de ‘ferramentas’ governamentais para intervir no mercado privado“.
No mês passado, Trump referiu-se à economia dos EUA como se fosse um supermercado, no qual ele tem a palavra final sobre os preços. “Somos um grande armazém, e nós definimos o preço“, disse Trump à revista Time. “Reúno-me com as empresas, e depois defino um preço justo…”
Trump apresenta-se como um CEO a gerir directamente tudo em nome do público: “Eu sou esta loja gigante e bonita, e toda a gente quer ir lá fazer compras. E, em nome do povo americano, sou dono da loja, e defino os preços, e direi: se quiserem fazer compras aqui, isto é o que têm de pagar”
O presidente não se coibiu de visar empresas específicas. Criticou duramente a Walmart depois de o seu CEO, Doug McMillon, ter alertado que as tarifas poderiam provocar aumentos de preços nos seus produtos. Poucos dias mais tarde, Trump publicou nas redes sociais que a empresa deveria “ENGOLIR AS TARIFAS“.
Também o CEO da Apple, Tim Cook, atraiu a ira do presidente, que ameaçou lançar tarifas de 25% sobre iPhones não produzidos nos EUA.
Há no entanto uma singularidade no socialismo à moda de Trump, diz o Quartz: a riqueza não está a ser propriamente distribuída pelos mais desfavorecidos, mas a “fluir para cima“.
Uma análise recente do Congressional Budget Office, comissão bipartidária do Congresso dos EUA, sobre um megaprojecto apoiado por Trump, estima que os 10% de famílias americanas mais ricas ganhariam 12.000 euros — enquanto os 10% mais pobres perderiam 1.600 euros.
“Isto é caviar em vez de crianças“, diz o senador democrata Ron Wyden, do Oregon. “E Mar-a-Lago em vez da classe média.”