Autorretrato é uma fraude. Detetive de arte amador apanha outra obra falsa de Gaugin

Kunstmuseum Basel

Autorretrato de Paul Gauguin exposto no Kunstmuseum Basel

O detetive de arte amador Fabrice Fourmanoir, que anteriormente identificou uma escultura fraudulenta de Gauguin que o Museu Getty tinha comprado por 4,6 milhões de euros, alega que uma outra obra, atribuída ao artista francês, é falsa.

De acordo com registos navais, Paul Gauguin tinha olhos castanhos. Em autorretratos iniciais, o artista francês pintava-se com um nariz torto e rabiscava uma assinatura e data nos cantos.

Então, por que razão o último autorretrato de Gauguin tem olhos azuis, um nariz achatado e nenhuma assinatura ou data?

Segundo Fabrice Fourmanoir, um negociante de arte e investigador amador, estas anomalias estéticas são apenas as evidências mais óbvias de que o autorretrato de 1903 alojado no Kunstmuseum Basel, na Suíça, não foi obra de Gauguin.

Fourmanoir alega que a obra foi, na verdade, pintada na década de 1910, anos após a morte do artista, em 1903, por um amigo de Gauguin, Ky-Dong Nguyen Van Cam, e que terá sido posteriormente apresentada como um Gauguin autêntico, até ser legada ao Kunstmuseum Basel, em 1945.

Van Gogh Museum / Wikipedia

“Autoretrato com retrato de Bernard, ‘LLes Miserables’, óleo em tela de Pual Gauguin e Émile Bernard, 1888

Segundo a Smithsonian, o museu suíço mostrou-se já disposto a verificar as alegações de Fourmanoir, e anunciou que vai realizar análises de raios-X, infravermelhos e ultravioleta para ajudar a determinar a proveniência da pintura.

“Levamos este assunto muito a sério, mas estas análises levarão algum tempo”, diz um porta-voz do Kunstmuseum ao Artnet. “Não deverá haver resultados destas análises antes de junho ou julho”.

A história oficial da pintura começa na ilha de Hiva Oa, na Polinésia Francesa, em 1903. A saúde de Gauguin estava a deteriorar-se.

Embora em fevereiro daquele ano tenha escrito a um amigo a explicar que “mal tinha tocado num pincel durante três meses”, o pintor encontrou de alguma forma motivação para fazer um último autorretrato. Gauguin morreu na manhã de 8 de maio, provavelmente de ataque cardíaco.

A sua saúde debilitada é evidente no autorretrato. O seu rosto é sombrio, sem a exuberância e atitude despreocupada visíveis em pinturas anteriores. Henri Loyrette, ex-diretor do Musée d’Orsay e do Louvre em Paris, descreveu-o certa vez como “um retrato da eternidade”, semelhante aos retratos funerários de Fayum do antigo Egito, diz o The Art Newspaper.

Mas Fourmanoir não acredita nesta história. O detetive de arte afirma que depois de Gauguin ter feito amizade com Ky-Dong, que estava exilado do seu Vietname natal por atividades anticoloniais, ensinou-o a pintar.

Após a morte de Gauguin, Ky-Dong pintou o retrato do seu falecido amigo e professor baseado numa fotografia a preto e branco, o que explica em parte a discrepância na cor dos olhos e na forma do nariz.

A principal fonte de Fourmanoir é o filho de Ky-Dong, que conheceu em Papeete, a capital do Taiti, na década de 1980. “Tivemos longas conversas sobre Gauguin e o seu pai, Ky-Dong. Ele contou-me que o pai lhe disse que tinha pintado o retrato de Gauguin”, diz Fourmanoir.

O retrato apareceu em 1923 na posse de Louis Grélet, um comerciante de licores e fotógrafo suíço que conhecia Gauguin.

Fourmanoir alega que Grélet sabia que a pintura não era um Gauguin autêntico, mas conseguiu que fosse dada como tal com a ajuda de Jean-Louis Ormond, sobrinho do pintor John Singer Sargent. Os dois colocaram a obra à venda na Sotheby’s em Londres e dividiram os lucros.

As alegações de Fourmanoir não são inéditas. No final da década de 1920, o retrato estava pendurado na Kunsthalle Basel, uma galeria de arte na Suíça, onde os registos o descreviam como um “presumível autorretrato”.

“A hipótese de que a obra não é um Gauguin já foi expressa nos primeiros documentos que obtivemos sobre o assunto”, diz Eva Reifert, curadora do Kunstmuseum, ao Le Quotidien de l’Art.

“É verdade que também vemos opiniões documentadas de especialistas de que a obra é indubitavelmente autêntica, mas com as novas informações partilhadas por Fabrice Fourmanoir, há uma oportunidade para estudar esta questão novamente”, acrescenta.

Fourmanoir tem um talento para identificar falsificações. Em 2020, alegou que uma rara escultura de sândalo atribuída a Gauguin era uma falsificação. O Museu Getty, em Los Angeles, que a tinha comprado por cerca de 4,6 milhões de euros, viria mais tarde a corrigir a autoria da peça.

Embora os resultados das análises ajudem a determinar a veracidade das alegações de Fourmanoir, há na realidade outra possibilidade: o retrato pode ser uma obra colaborativa de Gauguin e Ky-Dong.

Na década de 1960, Bengt Danielsson, antropólogo sueco e autor de “Gauguin in the South Seas”, recordou uma história que Grélet lhe contou uma vez.

“Um dia, Ky-Dong estava no estúdio de Gauguin e começou a pintar o retrato do artista”, escreveu Danielsson. “Sem dizer uma palavra, Gauguin pegou num espelho e, afastando o amigo, pegou no pincel e terminou o retrato ele mesmo“.

ZAP //

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