O Reino Unido tem enormes picos de energia. A culpa é do chá

ZAP // BBC; Canadian Association of New York; Depositphotos

O surpreendente fenómeno é exclusivo do Reino Unido: a corrida sincronizada para ferver água para o chá e café durante os intervalos de programas de televisão de grande audiência provoca um pico brutal no consumo de energia.

Era intervalo na final do Euro 2024 entre Espanha e Inglaterra. Milhões de adeptos ingleses, com o coração ainda a bater forte após 45 minutos tensos, dirigiram-se diretamente para a cozinha, pegaram nas suas chaleiras e prepararam uma chávena de chá.

Nesses poucos minutos, a rede elétrica nacional do Reino Unido enfrentou um aumento maciço na procura de eletricidade.

Segundo conta a ZME Science, as autoridades sabiam que isso iria acontecer. Não se tratava de um pico aleatório, mas sim de um “pico televisivo”.

A corrida sincronizada para ferver água para o chá e café durante os intervalos de programas de televisão populares é um fenómeno que pode causar grandes picos de energia, e isso acontece com mais frequência do que se imagina.

Sim, por causa do chá

Este fenómeno é exclusivo do Reino Unido, graças a uma combinação perfeita de fatores culturais e elétricos. Os britânicos adoram o seu chá, e as chaleiras britânicas são particularmente potentes, consumindo de 2,5 a 3 quilowatts cada.

Quando milhões dessas chaleiras são ligadas simultaneamente, o aumento repentino na procura de eletricidade é imenso. Em outros países, como Portugal, picos semelhantes são menos comuns devido a hábitos de visualização diferentes e menor dependência de chaleiras de alta potência.

Quando num grande programa ou evento desportivo há uma pausa para um intervalo comercial ou chega a um final dramático, as pessoas aproveitam a oportunidade para “fazer uma chávena de chá”.

Este comportamento sincronizado pode aumentar a procura de energia em centenas ou mesmo milhares de megawatts — um nível de consumo que as centrais elétricas têm de se esforçar para fornecer.

Obviamente, isto pode causar problemas à rede elétrica, pelo que as pessoas que gerem a rede nacional conhecem a programação televisiva melhor do que a maioria dos críticos de televisão.

Com efeito, a “Equipa de Equilíbrio Energético” da National Grid, a distribuidora de energia do Reino Unido, prevê esses picos com precisão meticulosa: estuda a programação televisiva, monitoriza os enredos das novelas populares e antecipa as reações dos telespectadores a momentos de suspense e jogos desportivos tensos.

A sua missão é simples: garantir que as luzes permaneçam acesas, não importa quão dramático seja o momento na TV.

Mas, para cumprir essa missão, é preciso antecipar o suspense. O jogo de futebol vai para prolongamento? Isso significa mais uma pausa para o chá. Está a chegar um grande suspense? Então, prepare as reservas de energia.

A TV é um problema

Gerir estes picos é um ato de equilíbrio delicado. A National Grid tem como objetivo manter a frequência do fornecimento de eletricidade entre 49,5 e 50,5 Hz. Se a procura aumentar repentinamente sem um aumento equivalente na oferta, a frequência cai, o que pode desestabilizar toda a rede.

Para lidar com isso, a rede usa uma combinação de reservas de resposta rápida e backups de longo prazo: reservatórios de armazenamento por bombeamento  fornecem a primeira linha de defesa; se for necessária mais energia, centrais de combustíveis fósseis e nucleares são acionadas.

O Reino Unido pode ainda importar eletricidade da França e da Holanda através de cabos submarinos — como os que Portugal e Marrocos estão agora a estudar para minimizar a probabilidade de que voltem a ocorrer apagões no nosso país.

Este era um problema constante até há alguns anos. Os serviços de streaming como o Netflix, com horários de consumo escolhidos pelos utilizadores e distribuídos no tempo, aliviaram alguns dos problemas, mas quando se trata de grandes eventos pontuais, como jogos de futebol, os picos continuam a ocorrer.

O pico de consumo de energia mais épico de sempre aconteceu na partida de futebol Inglaterra vs. Alemanha de 4 de julho de 1990: nenhuma transmissão televisiva superou o pico que se seguiu a essa meia-final do Campeonato do Mundo.

O jogo prendeu a atenção da nação do início ao fim. Após 120 minutos exaustivos, a tensão aumentou para uma disputa de grandes penalidades de tirar o fôlego. Os sonhos ingleses de chegar à final terminaram com uma grande penalidade desperdiçada por Chris Waddle.

Quando soou o apito final e lágrimas correram por todo o país, milhões de pessoas precisaram de um momento para se recompor — e preparar uma chávena de chá. O pico que daí resultou, de 2.800 megawatts, continua a ser o maior da história, tendo equivalido ao consumo de quase 1,2 milhões de residências.

Outros picos memoráveis aconteceram no fim do último episódio da série norte-americana The Thorn Birds, a 22 de janeiro de 1984 (2.600 MW), e durante o casamento do príncipe Charles e Lady Diana, a 29 de julho de 1981 (1.800 MW), no momento em que os recém-casados trocavam o icónico beijo à varanda.

Aparentemente, os telespectadores em casa aproveitaram esse preciso instante para brindar aos noivos — com chá, of course.

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