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As incríveis mergulhadoras Haenyeo da Coreia sobrevivem graças a adaptações genéticas

john ko / Unsplash

Mergulhadoras Haenyeo, as “mulheres do mar” da ilha de Jeju, na Coreia do Sul

Os cientistas há muito que se maravilham com a capacidade das Haenyeo, as lendárias “mulheres do mar” da Coreia que desafiam os limites da resistência humana. Um novo estudo revela que as suas capacidades resultam não só de décadas de mergulho, mas também de duas adaptações genéticas.

Na ilha coreana de Jeju, um extraordinário grupo de mulheres ultrapassa os limites da resistência humana.

Conhecidas como Haenyeo (em coreano, “mulheres do mar“), estas mergulhadoras enfrentam as águas geladas durante todo o ano, mantendo-se submersas durante largos minutos, sem tanques de oxigénio — mesmo durante a gravidez.

Autênticas “sereias da vida real“, este grupo de incríveis avós guerreiras, recentemente retratadas no documentário “The Last of the Sea Women” da plataforma de streaming da Apple, trava há séculos uma batalha corajosa contra as ameaças do oceano para colherem marisco — e assegurar a sua subsistência.

“Foi incrível, porque elas parecem muito idosas, em terra, mas no momento em que entram na água, são literalmente como sereias“, disse o fotógrafo Peter Ash Lee à CNN sobre o tempo que passou com as Haenyeo durante uma reportagem fotográfica.

Lee conta que uma conversa com Ko Ryou-jin, Haenyeo de terceira geração e uma das mais jovens mergulhadoras de Jeju, se destacou. “A sua maior preocupação era o facto de esta tradição estar a acabar. Ela estava a falar comigo em coreano e disse: ‘Vou ser a última‘. Depois, em inglês, ‘I’m the last mermaid“.

Peter Ash Lee

Ko Ryou-jin, Haenyeo de terceira geração, é provavelmente a última sereia da vida real

Mas estas mulheres ferozes, divertidas e trabalhadoras, recusam-se a ceder um milímetro, ajudadas pela luta de uma geração mais jovem para reavivar o seu estilo de vida ancestral através das redes sociais — e continuam a espantar os cientistas com as suas proezas.

Recentemente, uma equipa internacional de investigadores tentou decifrar os segredos por trás das extraordinárias capacidades e longevidade das “mulheres de mar” da ilha de Jeju.

De acordo com o estudo, publicado esta sexta-feira na revista Cell Reports, a lendária resistência das Haenyeo tem origem tanto no intenso treino ao longo da vida como em adaptações genéticas que as ajudam a sobreviver às condições brutais debaixo das ondas.

“Acreditamos que a seleção natural criou um efeito protetor nas mulheres que mergulham durante a gravidez, e que este efeito advém de diferenças na forma como os vasos sanguíneos reagem a alterações na pressão arterial”, diz Melissa Ilardo, geneticista da Universidade de Utah e primeira autora do estudo, ao Debrief.

“As implicações destes resultados podem ser profundas—isto poderá ser algo que poderíamos usar para desenvolver tratamentos para condições relacionadas com a hipertensão, incluindo aquelas que afetam os resultados da gravidez, ou mesmo condições como o AVC”, acrescenta Ilardo. “Imagine se a evolução nos tivesse dado a resposta para nos proteger a todos de um AVC?”

Desafiar o frio

Os cientistas há muito que se maravilham com a capacidade das Haenyeo, que frequentemente se mantêm em atividade até depois dos 70 anos, de mergulhar a profundidades impressionantes e suster a respiração durante muitos minutos.

Curiosos para compreender como conseguiam estas proezas, os investigadores compararam os ritmos cardíacos, a pressão arterial e a composição genética de 30 mergulhadoras Haenyeo com não-mergulhadoras de Jeju e mulheres da Coreia continental, todas com uma idade média de cerca de 65 anos.

Os resultados foram surpreendentes. Enquanto todas as participantes experimentaram uma diminuição do ritmo cardíaco durante um “mergulho simulado”, onde submergiam os rostos em recipientes de água fria, os ritmos cardíacos das Haenyeo diminuíram dramaticamente mais.

“As Haenyeo mergulham há muito tempo, pelo que o seu ritmo cardíaco foi treinado para diminuir”, explica Ilardo. “Isto foi algo que pudemos realmente ver visualmente — tivemos uma mergulhadora cujo ritmo cardíaco diminuiu mais de 40 batimentos por minuto em menos de 15 segundos“.

Para além do treino, a genética também desempenhou um papel crucial. A análise de ADN revelou que os residentes de Jeju, fossem mergulhadores ou não, eram geneticamente distintos dos coreanos continentais, sugerindo uma origem ancestral comum na ilha.

No entanto, duas variantes genéticas críticas eram muito mais comuns entre os residentes de Jeju, possivelmente dando às Haenyeo uma vantagem: um gene associado à tolerância ao frio e outro ligado a uma pressão diastólica mais baixa, que pode proteger as mulheres que mergulham durante a gravidez.

Força e graça

Para Ilardo, o projeto foi profundamente pessoal. “Depois de ter começado a trabalhar com os Bajau no meu doutoramento, fiquei apaixonada por grupos de pessoas que têm ligações profundas e significativas com o mar”, conta a investigadora ao Debrief.

“Depois de aprender mais sobre as Haenyeo, fiquei fascinada. Não só são mergulhadoras, como são todas mulheres. Foi uma possibilidade emocionante poder ligar-me a este grupo”, acrescenta.

“O que mais me surpreendeu foi este incrível equilíbrio que elas mantêm entre serem doces e femininas ‘halmeoni’, palavra coreana para avó que é usada com carinho, mas também algumas das mergulhadoras mais fortes e mais capazes que já vi”, nota Ilardo.

Vi mergulhadoras com quase 80 anos saltarem de um barco para um dia de mergulho antes mesmo de o barco parar de se mover. Poderia continuar durante dias a falar sobre como são impressionantes!“, realça a geneticista.

O trabalho está longe de terminar. Ilardo espera continuar a colaborar com as Haenyeo e a estudar outras populações de mergulho tradicionais em todo o mundo.

“Há muito mais trabalho que podemos fazer para compreender melhor como exatamente esta adaptação está a afetar o mergulho e que influência tem na população de Jeju”, diz. “Continuarei a trabalhar com as Haenyeo enquanto elas estiverem felizes em continuar a trabalhar comigo!”

Armando Batista, ZAP //

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