A agricultura surgiu mais ou menos ao mesmo tempo em vários continentes, entre populações, culturas e ambientes radicalmente diferentes e sem meios de comunicação entre si. É (talvez) a maior coincidência da evolução humana.
O Homo sapiens (a nossa espécie) tem cerca de 300.000 anos, mas só nos últimos 10.000 é que alguns grupos introduziram a agricultura. Antes, viviam só da caça.
O que é curioso é que os vários grupos separados (com culturas diferentes, vivendo em vários continentes, em ambientes diferentes, e sem meios de comunicar uns com os outros) começaram a praticar a agricultura de forma completamente independente, no espaço de poucos milénios, praticamente ao mesmo tempo.
Se a agricultura tivesse sido inventada uma vez, numa região, e depois se tivesse espalhado rapidamente, este fenómeno não seria de estranhar. Mas, como nota a New Scientist, não foi isso que aconteceu.
Desde as Américas à Oceânia, passando pela Euroásia e África – com populações que estiveram isoladas umas das outras durante milhares de anos -, a ciência já comprovou que a agricultura arrancou praticamente ao mesmo tempo.
Um estudo de 2023 publicado na PNAS sugere a existência de até 24 origens distintas da agricultura de forma independente, todas elas num espaço de poucos milhares de anos. Posto isto, levanta-se uma grandes questão: porque é que tantas populações distintas fizeram simultaneamente a mesma coisa, após centenas de milhares de anos de existência?
Uma das possibilidades que o cientista Michael Marshall aponta na New Scientist são as alterações climáticas.
Num artigo de 2001, Robert Bettinger, da Universidade da Califórnia, sugeriu que as alterações climáticas foram cruciais para o momento da origem da agricultura.
“A nossa hipótese é que a agricultura era impossível nas condições do último glaciar [entre cerca de 115.000 e 11.700 anos atrás], uma vez que o clima glaciar era extremamente hostil à agricultura – seco, com baixo teor de CO2 atmosférico e extremamente variável em escalas temporais bastante curtas”.
A realidade é que as condições para o cultivo de alimentos melhoraram à medida que o clima global aqueceu.
Um estudo de 2024 publicado na Springer Nature feito na China concluiu que o aquecimento do clima conduziu a um ecossistema mais exuberante, o que, por sua vez, melhorou o solo, permitindo que a população local começasse a cultivar há cerca de 8400 anos.
Nos últimos anos, os investigadores começaram a explorar razões mais sociopolíticas para as sociedades adotarem a agricultura.
Uma das sugestões mais consensuais é a ideia da adoção da agricultura para o reforço dos direitos de propriedade e para o afastamento da vida em comunidade.
Neste caso, as pessoas terão criado a agricultura porque esta lhes dava um controlo mais direto sobre o seu próprio abastecimento alimentar e reduzia a sua dependência das comunidades.
“Mas o grande porquê continua a persistir”, escreve Marshall. “Se a agricultura foi realmente uma escolha sociopolítica, e não algo impulsionado por fatores externos, porque é que tantas sociedades fizeram a mesma escolha ao mesmo tempo?”, questionou. É (talvez) a maior coincidência da evolução humana.