Há uma guerra das línguas no Tibete onde também morrem pessoas

O Tibete é um dos locais do mundo com maior diversidade linguística. Contudo, esta diversidade está em perigo de extinção. Não é comum ouvir-se falar disto, mas na “guerra das línguas” no Tibete também estão a morrer pessoas.

Três dias depois de ter sido libertado da prisão, em dezembro, Gonpo Namgyal morreu.

um líder de uma aldeia tibetana chamado Gonpo Namgyal.

Quando o seu corpo estava a ser preparado para os rituais funerários tibetanos, foram encontradas marcas que indicavam que tinha sido brutalmente torturado na prisão.

O crime que havia cometida? Gonpo Namgyal tinha feito parte de uma campanha para proteger a língua tibetana na China.

Gonpo Namgyal é vítima de um conflito lento que se arrasta há quase 75 anos, desde que a China invadiu o Tibete em meados do século XX. A língua tem estado no centro desse conflito.

Guerra das línguas

Os tibetanos trabalharam, desde sempre, para proteger a língua tibetana e resistiram aos esforços para impor o chinês mandarim.

No entanto, as crianças tibetanas estão a perder a sua língua através da inscrição em internatos estatais, onde são educadas quase exclusivamente em chinês mandarim. Normalmente, o tibetano é ensinado apenas algumas vezes por semana, o que não é suficiente para manter a língua.

Num estudo, publicado num livro em 2024, Gerald Roche, professor de Linguística, Universidade La Trobe (Austrália), revela informações únicas sobre a luta de outras línguas minoritárias no Tibete que recebem muito menos atenção.

Roche escreve agora no The Conversation como a sua investigação mostra que as políticas linguísticas no Tibete são surpreendentemente complexas e movidas por uma violência subtil, perpetuada não só pelas autoridades chinesas mas também por outros tibetanos.

Em 2008, os tibetanos lançaram um movimento de protesto maciço contra o domínio chinês pouco antes dos Jogos Olímpicos de Pequim.

Estes protestos conduziram a duras repressões por parte do governo, incluindo detenções em massa, aumento da vigilância e restrições à liberdade de circulação e às expressões da identidade tibetana.

Estas restrições centraram-se sobretudo na língua e na religião.

Seguiram-se anos de agitação, marcados por mais manifestações e atos individuais de sacrifício. Desde 2009, mais de 150 tibetanos pegaram fogo a si próprios para protestar contra o domínio chinês.

Cultura tibetana sob ataque

O Tibete é um lugar linguisticamente diverso. Para além do tibetano, são faladas cerca de 60 outras línguas na região. Cerca de 4% dos tibetanos (cerca de 250.000 pessoas) falam uma língua minoritária.

Contudo, a política governamental obriga todos os tibetanos a aprender e a utilizar o chinês mandarim.

Os que falam apenas tibetano têm mais dificuldade em encontrar trabalho e são confrontados com discriminação e mesmo violência por parte do grupo étnico dominante Han.

Entretanto, o apoio ao ensino da língua tibetana tem vindo a ser reduzido: o governo proibiu recentemente os estudantes de terem aulas particulares de tibetano ou tutores durante as férias escolares.

Todas as minorias linguísticas do Tibete precisam de aprender e utilizar o mandarim. Mas muitas também precisam de aprender tibetano para comunicar com outros tibetanos: colegas de turma, professores, médicos, burocratas ou chefes.

Tudo (exceto o mandarim) é ameaçado

Em Rebgong, onde Gerald Roche fez a sua investigação, os habitantes locais falam uma língua a que chamam manegacha.

Cada vez mais, esta língua está a ser substituída pelo tibetano: cerca de um terço das famílias que falam manegacha estão agora a ensinar tibetano aos seus filhos (que também têm de aprender mandarim).

O governo recusa-se a dar quaisquer oportunidades de utilização e aprendizagem de línguas minoritárias como o manegacha. Também tolera a discriminação e a violência constantes contra os falantes de manegacha por parte de outros tibetanos.

Estas políticas estatais assimilacionistas estão a provocar o colapso da diversidade linguística em todo o Tibete.

À medida que estas línguas minoritárias se perdem, a saúde mental e física das pessoas sofre e as suas ligações sociais e identidades comunitárias são destruídas.

Porque é que isto é importante?

A resistência tibetana ao domínio chinês remonta à invasão do Exército Popular de Libertação no início da década de 1950.

Quando o Dalai Lama fugiu para a Índia em 1959, esse movimento de resistência tornou-se global.

Os governos de todo o mundo continuaram a apoiar a autodeterminação tibetana e a combater a desinformação chinesa sobre o Tibete, como a aprovação pelo Congresso dos EUA da Lei Resolve Tibet em 2024.

No entanto, os esforços externos para apoiar a luta tibetana estão a falhar a algumas das pessoas mais vulneráveis: as que falam línguas minoritárias.

Se os tibetanos deixarem de falar manegacha e outras línguas minoritárias, isso contribuirá para os esforços do governo chinês para apagar a identidade e a cultura tibetanas.

Mesmo que a língua tibetana sobreviva na China, a perda de uma das línguas minoritárias do Tibete seria uma vitória para o Partido Comunista no conflito que iniciou há 75 anos.

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