Decreto-lei do Governo para mudar lei do IRS arrisca ser inconstitucional

Manuel de Almeida / LUSA

Miranda Sarmento, ministro das Finanças

O Governo quer aprovar o fim da declaração obrigatória de rendimentos isentos por decreto-lei, não tendo luz verde do Parlamento. Esta mudança unilateral pode ser inconstitucional porque mexe com os valores do imposto.

O Governo pretende aprovar um decreto-lei para eliminar a obrigação de declarar no IRS rendimentos isentos, como subsídios de refeição e ajudas de custo — mas os especialistas alertam que a mudança unilateral do executivo pode ser inconstitucional, dado não ter a aprovação da Assembleia da República.

A principal preocupação é que a alteração afete o cálculo do mínimo de existência, uma competência exclusiva do Parlamento. O Ministério das Finanças, no entanto, garante que a norma não viola a lei e que o calendário da campanha do IRS, prevista para arrancar em abril, não será afetado, revela o ECO.

A questão jurídica surge porque o artigo 70.º do Código do IRS determina que todos os rendimentos isentos devem ser incluídos no cálculo do mínimo de existência, sem exceção para o número 7. O decreto-lei do Governo pretende excluir da declaração obrigatória valores superiores a 500 euros relativos a subsídios de refeição, ajudas de custo ou indemnizações por despedimento.

“Tal como está a lei, o subsídio de refeição ou ajudas de custo passam a contar para a determinação do mínimo de existência, ou seja, vão comer uma fatia desse parcela que abate ao rendimento. Na prática, poderíamos ter trabalhadores a receber o salário mínimo que nunca pagaram IRS e que poderiam passar a ser tributados. Há uma mudança na incidência que só pode ser legislada pelo Parlamento”, exemplifica o fiscalista Luís Leon.

O constitucionalista José Moreira da Silva alerta ainda para o risco da alteração por decreto pretendida pelo Governo violar o artigo 103.º da Constituição, já que pode ter impacto na incidência do imposto — uma competência que cabe ao Parlamento.

No entanto, o executivo rejeita estes riscos. “O Governo considera que a alteração ao número 7 do artigo 57.º do código do IRS não afeta o cálculo do mínimo de existência, uma vez que as referências a este artigo constantes do artigo 70.º do mesmo código, cuja redação é anterior à introdução daquela disposição, não visam abranger os rendimentos previstos no n.º 7 do artigo 57.º do Código do IRS”, explicou o Ministério das Finanças ao ECO.

Diante das dúvidas jurídicas, há a possibilidade de o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, solicitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade da norma, o que suspenderia os seus efeitos. Caso o decreto seja promulgado, o Parlamento pode pedir uma revisão da constitucionalidade com o apoio de pelo menos 10 deputados nos 30 dias seguintes à sua publicação.

ZAP //

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