O Gabinete Nacional de Segurança revelou que há dados secretos que estão nas mãos de 18 mil portugueses. Afinal, quem pode ter acesso à informação classificada do Estado?
Vítor Escária não era o único com acesso a informação confidencial. Depois de, há duas semanas, ter sido revelado o que o antigo chefe de gabinete de António Costa (quando era primeiro-ministro); o Gabinete Nacional de Segurança revela agora que há 18 mil portugueses credenciados para aceder a dados secretos.
O número é revelado, esta segunda-feira, pelo jornal Público, que esclarece que para obter a credenciação de segurança é necessário preencher um longo formulário, que é cruzado com dados recolhidos pelas polícias e pelas secretas, com o propósito de avaliar se aquela pessoa é idónea para ter acesso a informação sensível.
Os dados dividem-se em quatro graus: “muito secreto”, “secreto”, “confidencial” e “reservado”. Mas há, depois, os documentos sujeitos a segredo de Estado, que têm um regime próprio.
Apesar do “segredo de Estado” estar no topo da pirâmide que protege a informação sensível, o Público escreve que para aceder basta ter uma autorização de quem classificou os documentos, sem necessidade de investigação prévia sobre a idoneidade de quem os vai conhecer.
O matutino descreve isto como uma falha legal que uma alteração legislativa proposta pelo Gabinete Nacional de Segurança pretende agora resolver.
Quem está credenciado?
Estima-se que haja 18 mil pessoas credenciadas para aceder a informação classificada, num total de 37.800 credenciais de segurança, já que habitualmente cada pessoa tem dois certificados, um para documentos confidenciais e outro para secretos, que são válidos, no máximo, por três anos.
Entre estas pessoas estão líderes de polícias, como a PSP, a GNR e PJ, chefes de gabinete de governantes (como aconteceu no caso de Vítor Escária), mas também motoristas ou funcionários da limpeza. Ou seja, quem tiver oportunidade de acesso, mesmo que de forma involuntária, deve ser credenciado.
Não significa que tenham acesso
No entanto, o facto de serem credenciadas não quer dizer que tenham acesso à matéria sensível.
“O referido certificado não permite que o seu titular tenha acesso a todas as matérias classificadas do grau especificado naquele documento, mas apenas àquelas que, pela natureza das suas funções, tenha necessidade absoluta de conhecer”, especifica o regime da informação classificada, criado em 1988, citado pelo Público.
Só um grupo muito restrito de pessoas está dispensado do processo de credenciação. É o caso dos membros do Governo e governos regionais. Um simples ato de posse – deixam-nos automaticamente credenciados para todas as classificações de segurança.
A transferência de informação “muito secreta” entre departamentos faz-se, depois, obrigatoriamente pelo sistema de duplo envelope.
O documento é sempre encerrado em dois envelopes, fortes e opacos. O de fora tem apenas o endereço do organismo e o serviço de destino. O de dentro é fechado com selo de segurança e deverá ter impressa, de forma bem visível, ou marcada a carimbo, a indicação “muito secreto”.
Segurança Social arrisca multa
De acordo com uma investigação da revista Sábado, o conteúdo da pen encontrada no gabinete de Vítor Escária correspondia a ficheiros roubados por um inspetor superior estagiário de uma base de dados da Segurança Social, em Junho de 2019, com centenas de dados de centenas de pessoas com cargos públicos.
No entanto, a Segurança Social não terá notificado essa violação de dados pessoais, à Comissão Nacional de Proteção de Dados, o que, segundo a Antena 1, pode valer-lhe uma multa de até 10 milhões de euros.
Em causa estão 81 ficheiros enviados por email para vários destinatários, incluindo o diretor nacional da Polícia Judiciária, onde o estágiário exigiu “500 mil euros em notas de 20 e 50 euros não numeradas”, pela não divulgação dos dados.
O estagiário acabou condenado, em março de 2020, por tentativa de extorsão e acesso indevido agravado. No entanto, foi considerado inimputável por sofrer de doença mental.