A vitória de Rui Rocha nas eleições internas foi uma “verdade de la Palisse”, mas o adversário Rui Malheiro não deixa de apontar o dedo a uma Iniciativa Liberal que “se afastou dos seus ideais”. A principal cisão não é interna — é sim com o PSD.
Rui Rocha foi reeleito este domingo para um segundo mandato de dois anos à frente da Iniciativa Liberal, após a lista com que se apresentou a eleições ter obtido 73,4% dos votos.
“Devemos lutar pelas nossas bandeiras, não as trocamos também nas autárquicas por mais cargos. Sendo eleito presidente da IL prefiro ter menos um autarca aqui ou acolá, mas ter as ideias da IL perfeitamente salvaguardadas. Um autarca liberal vale muito mais do que um boy do PS ou PSD”.
As palavras são do próprio Rui Rocha, citadas pela agência Lusa e proferidas pelo novamente eleito líder da IL ao apresentar a Moção de Estratégia Global da sua lista na Convenção liberal que está a ter lugar este fim de semana, em Loures. O objetivo último: eleger uma nova direção.
E o “antes sozinho” foi o mote para todo o discurso de Rui Rocha, com a mira apontada para fora do partido, e não para dentro. A intervenção pautou-se por um afastamento do PSD, e uma garantia de que, nas eleições autárquicas que se avizinham, os liberais estarão sozinhos, com coligações “excecionais”.
“Mais vale acelerar só, do que mal acompanhado”
Na verdade, as críticas foram duras ao atual governo. “A ideia de que se pode transformar o país devagar, passo a passo, com remendos”, por exemplo, foi altamente desmistificada pelo líder do partido.
“Tem sido essa a estratégia da AD. Há problemas na saúde: plano de verão. Não funciona: plano de inverno. Resultado: continua tudo na mesma. Para a sustentabilidade da Segurança Social. Primeiro: livro branco. Não resolve: livro verde. A seguir, grupo de trabalho, e ninguém se foca no essencial, que é a reforma profunda do sistema da Segurança Social”, garantiu.
Foi duro com o “partido do Estado”, como diz ser todo o Parlamento: o PSD, PS, Chega, BE, PCP Livre e PAN.
Num discurso acalorado, chega mesmo a dizer que “acabou a brincadeira”.
“Todos querem mais despesa, mais Estado presente, menos liberdade para os portugueses. É pois para combater este segundo mito que vos proponho o segundo provérbio liberal: mais vale acelerar só, do que mal acompanhado”. “Prego a fundo, acelerar Portugal”, aclamou.
Milei, motosserra, “Afuera”
Quem trouxe o nome de Javier Milei, o presidente argentino, para cima da mesa em primeiro lugar foi o membro da direção António Costa Amaral,que apresentou uma moção como nome “Afuera“, em referência ao slogan do presidente liberal, que fez crescer a economia do seu país a passos estrondosos, ainda que tenha agravado a pobreza na Argentina.
De facto, muita coisa vai “fora” para a IL. O liberal Jorge Pires, cabeça da lista M, os “mileístas”, resume: “O que é que fazíamos à RTP?”, “Afuera!”, respondia a multidão. “O que é que fazíamos à TAP? Afuera! O que é que fazíamos à CP? Afuera!”.
Milei é ídolo na Convenção liberal, e há mesmo quem leve para o palco uma motosserra de cartão para prestar homenagem ao líder argentino, que usa uma motosserra como metáfora para o “cortes” que faz no Estado social.
“O que une é mais forte do que o que separa”
Mas o líder da Lista U, Rui Malheiro, candidato à direção do partido, não deixa de se voltar para dentro.
“O partido precisa de estar mais próximo de quem faz o liberalismo acontecer no dia-a-dia. Precisamos de dar mais destaque a quem trabalha nas bases, a quem defende os valores liberais nos municípios, nas freguesias e na sociedade civil”, afirmou.
A oposição interna está centrada em afirmar que o partido está a afastar-se das “ideais iniciais”, segundo afirma Pedro Ermida, secretário-geral na lista adversária à direção que, citado pelo Expresso, acabou por explicar que, mesmo que não vença as eleições internas, não tem intenções de abandonar o partido, e vai cooperar.
“Tenho a ambição de tornar o partido mais forte, mas se não for essa a vontade da maioria, fico por aqui. Apesar das divergências, o que nos une é muito mais do que nos separa”, garantiu.
IL “refém da imagem de Cotrim”
João Rodrigues, estudante de 25 anos, garante, em declarações à Lusa, garantiu não estar na Convenção para tomar um partido (entre as listas candidatas).
Aponta, no entanto, que a IL está ainda “muito refém da imagem de Cotrim de Figueiredo” — cabeça de lista da IL nas últimas europeias, que obteve o melhor resultado dos liberais nas recentes idas às urnas — e aponta ainda que o partido não está a ser capaz de “manobrar-se para além disso”.
Para Ana Laura Carvalho, a candidata liberal mais jovem de sempre, do círculo de Coimbra, o grande objetivo do partido é combater internamente a “crispação política” e a polarização “alimentada pelos extremos”.
Sobre as eleições internas, ninguém estava extremamente preocupado, mas Rui Rocha manteve-se confiante. No sábado, houve mesmo quem gritasse: “Verdade de la Palisse, o Rui Rocha vai ser eleito”.