Um grupo de arqueólogos encontrou uma mulher, enterrada arco num cemitério do século X na Hungria, que terá vivido “como um homem”, para a época. É uma descoberta tão invulgar que os investigadores não se arriscaram a categorizá-la.
“Avaliar a possível ocupação do indivíduo é um problema complexo”, salientou a equipa de investigação publicada recentemente na PLOS One.
O enterro foi um dos 262 descobertos no início da década de 1980 no sítio arqueológico de Sárrétudvari-Hízóföld (SH), no centro-leste da Hungria.
Datado do período da conquista húngara, o cemitério incluía homens e mulheres de todas as idades. Embora 58 dos enterramentos contivessem armas utilizadas no tiro com arco – pontas de flechas, aljavas ou placas de arco – apenas uma das sepulturas com armas continha também jóias encontradas exclusivamente em sepulturas femininas.
Para compreender melhor este enterro invulgar – designado SH-63 – a equipa de investigação analisou os ossos e o ADN da pessoa. Descobriu-se que SH-63 era uma mulher adulta mais velha que terá “vivido como um homem”, para a época.
Como descreve a Live Science, no período da Conquista Húngara, os Magiares (como eram conhecidos) chegaram à Bacia dos Cárpatos no início do século X, integrando-se ou conquistando as populações locais, em parte graças às suas capacidades de tiro com arco montado.
Os investigadores observaram que, neste período, é frequente encontrar armas nas sepulturas dos homens. Porém, nas sepulturas das mulheres apenas se encontram pontas de seta simples, frequentemente interpretadas como amuletos e não como armas.
No entanto, nesta caso raro, os investigadores concluíram “que este indivíduo representa, de facto, o primeiro enterro feminino conhecido com uma arma do período da Conquista Húngara na Bacia dos Cárpatos”.
Os investigadores identificaram várias fraturas curadas no esqueleto da mulher. O osso do braço direito tinha sido partido em dois sítios, assim como as omoplatas direita e esquerda.
No entanto, as lesões ósseas que afetaram esta mulher também foram observadas em homens do cemitério, especificamente aqueles que foram enterrados com armas e equipamento de equitação. Ao analisar a variação dos ossos e das articulações de SH-63, os investigadores descobriram que ela provavelmente praticava algum tipo de atividade física repetitiva (como a equitação, precisamente).
Kori Filipek, bioarqueóloga da Universidade de Derby, no Reino Unido, que não esteve envolvida nesta investigação, disse à Live Science, que o SH-63 destaca os “papéis de género” que terão sido “potencialmente negligenciados”, ao longo das décadas e desconsiderados em estudos.
A nova pesquisa também ressalta problemas com a atribuição de sexo biológico com base apenas em bens de sepultura, considerou a especialista. “As análises dos autores do enterro SH-63 esperam incitar reavaliações de outros enterros ‘armados’ descobertos nesta região”, considerou.