O que é que as mentes e personalidades dos mentirosos compulsivos têm de diferente? E de que forma podemos apanhar um em flagrante? Não, o seu nariz não cresce. O segredo está em… ocupar-lhes o cérebro com várias tarefas — ou pedir-lhes que contem a sua patranha numa língua estrangeira.
Sejamos honestos por um segundo: todos nós dizemos mentiras de vez em quando, quer se trate de mentir sobre a razão do nosso atraso ou de dizer a um ente querido que está fabuloso com aquela roupa nova e cara quando, na verdade, pensamos o contrário.
Estudos conduzidos nos anos 1990 revelaram que, para a maioria de nós, isto equivale a cerca de uma ou duas mentiras por dia, em média.
No entanto, estas mentiras são normalmente inofensivas e, na maioria das vezes, fazemos o nosso melhor para dizer a verdade.
Em contrapartida, há algumas pessoas que levam a mentira a um nível completamente diferente.
Num estudo conduzido em 2021 e publicado na Communication Monographs, uma equipa de investigadores norte-americanos pediu a centenas de estudantes que registassem as suas mentiras durante 91 dias consecutivos.
Das 116.366 mentiras contadas, um número desproporcionado saiu dos lábios de uma minoria de mentirosos prolíficos, nota a BBC Science Focus.
Um outro estudo, publicado em 2009 na Human Communication Resarch, concluiu que 5% das pessoas são responsáveis por metade de todas as mentiras contadas. Estas são as pessoas que mentem repetidamente e cujas mentiras são, por vezes, absolutamente gigantescas.
Alguns mentirosos prolíficos conseguem usar o seu engano em seu proveito, pelo menos durante algum tempo. Se e quando são descobertos pelas enormes mentiras que contaram, podem acabar por se tornar famosos por causa disso.
Basta olhar para o exemplo de Elizabeth Holmes, condenada em 2022 por defraudar milhões de investidores depois de lhes ter mentido sobre a tecnologia de saúde que a sua empresa, Theranos, estava a desenvolver.
Ou ainda Lance Armstrong, o ciclista caído em desgraça, despojado das suas sete vitórias na Volta à França, que confessou ter usado drogas para melhorar o desempenho depois de anos de negação.
Outros mentirosos prolíficos podem não chamar tanta atenção para si próprios, mas destacam-se pela sua vontade e capacidade de enganar regularmente. E talvez até conheça algum na sua vida.
Há dois aspetos principais na razão pela qual uma minoria de pessoas está disposta e é capaz de mentir com tanta frequência.
Um aspeto tem a ver com o facto de terem capacidades mentais para enganar. O outro aspeto tem a ver com a moralidade e com o tipo de traços de personalidade que tornam mais fácil lidar com, e justificar, ser cronicamente desonesto.
Entre os mentirosos prolíficos, há também um grupo mais pequeno, o dos chamados “mentirosos patológicos” com uma condição por vezes conhecida como pseudologia fantástica ou “mitomania“.
Estes indivíduos tendem a não mentir com um objetivo tão estratégico e, de facto, as suas vidas são geralmente transformadas numa miséria pela sua compulsão para mentir. Ao contrário de muitos mentirosos prolíficos, podem sentir remorsos, mas desde tenra idade não conseguem parar de mentir uma e outra vez.
Outro contraste importante com a maioria dos mentirosos prolíficos é que os mentirosos patológicos podem não ter controlo cognitivo. Enquanto que um mentiroso prolífico eficaz usa a sua capacidade mental para suprimir a verdade e manter uma mentira, o mentiroso patológico simplesmente não consegue parar de espalhar ficções compulsivamente.
Inteligência fluida
“Contar uma mentira convincente requer esforço cognitivo”, diz Molly MacMillan, investigadora da Memorial University of Newfoundland, no Canadá, autora de estudos sobre as exigências mentais da mentira.
A honestidade é um esforço relativamente baixo, explica. A mentira, pelo contrário, implica suprimir a verdade, inventar uma invenção e depois manter o registo da mesma.
Um estudo publicado em 2008 na Cereb Cortex mostrou que toda esta atividade mental leva a uma maior ativação neural em áreas responsáveis pelo controlo cognitivo, em comparação com dizer a verdade.
É por esta razão que mentir é muito mais difícil se estivermos sobrecarregados com outra tarefa mental ao mesmo tempo.
“Os estudos revelam que as pessoas têm mais probabilidades de ser honestas quando falam numa segunda língua, quando estão cansadas ou quando estão ocupadas com outra tarefa ou atividade”, afirma MacMillan.
De facto, uma das abordagens à deteção de mentiras baseia-se na ideia de aumentar a “carga cognitiva” — por exemplo, pedir a um suspeito de crime que conte a sua história ao contrário, para que lhe seja mais difícil manter uma mentira.
Os desafios mentais envolvidos na mentira fornecem as primeiras pistas sobre o que é diferente nos mentirosos prolíficos – especialmente aqueles que conseguem safar-se com as suas mentiras. Eles precisam de aptidão mental para lidar com isso.
Um estudo publicado em 2023 no Journal of Intelligence testou a capacidade de mentir de 400 participantes e descobriu que os mentirosos mais hábeis numa dada conversa tendiam a ter uma pontuação mais elevada em “inteligência fluida“.
Esta capacidade reflete a capacidade de raciocínio e de resolução de problemas sob pressão — em contraste com a “inteligência cristalizada“, que tem mais a ver com o conhecimento.
Um outro estudo, publicado em 2017 na Cognition, analisou a relação entre a mentira e o pensamento contrafactual — que ocorre quando nos interrogamos sobre como as coisas poderiam ter corrido de forma diferente, por exemplo ponderando “E se…?” ou “Se ao menos…?”.
Algumas pessoas são mais propensas a este tipo de pensamento do que outras e, embora não seja o mesmo que o engano deliberado, ambos envolvem a invenção de outras realidades.
O estudo mostrou que os pensadores contrafactuais são mais propensos a mentir para proteger a sua reputação num par de cenários hipotéticos: para esconder a razão pela qual não foram a uma festa ou para encobrir o seu envolvimento num acidente de viação.
Isto mostra mais uma vez que a propensão das pessoas para mentir está, pelo menos em parte, associada ao facto de possuírem as capacidades mentais ou os hábitos necessários para enganar.
O que faz uma boa mentira?
Em 2019, uma equipa liderada por Brianna Verigin, da Universidade de Maastricht, nos Países Baixos, inquiriu cerca de 200 pessoas sobre as suas capacidades de mentir e perguntou-lhes que estratégias utilizavam para mentir eficazmente.
Os resultados não foram muito ambiciosos, mas dão uma ideia de como muitos mentirosos prolíficos se safam das suas mentiras durante tanto tempo.
A estratégia mais citada foi a de manter as mentiras claras e simples. Esta é uma abordagem astuta, tendo em conta o que se sabe sobre as exigências cognitivas da mentira. Quanto mais simples for uma mentira, mais fácil será manter os detalhes consistentes e evitar ser apanhado.
As estratégias seguintes mais citadas foram manter as mentiras plausíveis e evitar dar pormenores específicos. Por último, a estratégia de inserir a mentira numa história verdadeira.
Para ter uma ideia de como esta última estratégia pode funcionar na vida real, imagine o suspeito de um crime, a quem se pergunta onde estava na altura de um assalto.
Em vez de inventar um álibi fictício a partir do zero, o mentiroso habilidoso pode usar a memória de um episódio real específico da sua vida numa altura semelhante do dia e da semana. Um bom mentiroso poderia fornecer os pormenores necessários a partir da memória real, em vez de ter de inventar informações fictícias no local.
Claro que, por muito bom mentiroso que seja, nenhuma mentira é infalível. Porque, como diziam os nossos pais, a mentira tem perna curta.
“Sejamos honestos por um segundo: todos nós dizemos mentiras de vez em quando” Há realmente quem ache que os outros são como eles. Para essas criaturas os outros não podem não dizer mentiras só porque eles as dizem. Que ridículo… Não é de admirar que os políticos tenham sucesso…