A capacidade de criar bactérias espelho ainda não existe e está pelo menos a uma década de distância, mas há progressos em curso — e “é um génio que não se quer deixar sair da garrafa“.
Uma categoria de organismos sintéticos designada por “vida espelho”, ou “vida espelhada”, cujas moléculas componentes são imagens espelhadas das suas contrapartes naturais, poderá representar riscos sem precedentes para a vida humana e para os ecossistemas.
O alerta surge numa análise de um grupo de peritos de renome, incluindo vencedores do Prémio Nobel, conta a Scientific American.
O artigo, publicado na revista Science de 12 de dezembro, é acompanhado de um extenso relatório que descreve em pormenor as suas preocupações.
“Motivados pela curiosidade e por aplicações plausíveis, alguns investigadores começaram a trabalhar no sentido de criar formas de vida compostas inteiramente por moléculas biológicas em espelho“, escrevem os investigadores na revista.
A capacidade de criar bactérias espelho ainda não existe e está “pelo menos a uma década de distância”, escrevem, mas há progressos em curso.
Os investigadores já conseguem sintetizar biomoléculas espelhadas, como o ADN e as proteínas. Ao mesmo tempo, foram feitos progressos no sentido de criar células sintéticas a partir de componentes não espelhados.
“Esses organismos-espelho constituiriam um afastamento radical da vida conhecida e a sua criação merece uma análise cuidadosa”, escrevem os cientistas.
No entanto consideram que a vida espelhada “é um génio que não se quer deixar sair da garrafa“, disse o coautor do relatório Jonathan Jones, líder de um grupo no Laboratório Sainsbury, no Reino Unido.
“O risco de algo de mau acontecer é baixo, mas as consequências de algo de mau acontecer são realmente terríveis“, acrescentou, em declarações à CNN.
Uma possível aplicação prática das bactérias-espelho podem ser os bioreactores, fábricas biológicas que utilizam células ou microorganismos para fabricar vários compostos, como antibióticos e outros produtos farmacêuticos.
Os bacteriófagos (vírus que infectam bactérias) podem destruir os bioreactores baseados em bactérias, custando muito tempo e dinheiro, mas é provável que não infetem as bactérias-espelho, porque não reconheceriam as suas moléculas.
Mas, agora, “todas as aplicações práticas que nos atraíram para este campo são as razões pelas quais estamos agora aterrorizados com ele”, explica a bióloga sintética Katarzyna Adamala, que liderou um relatório técnico de 300 páginas sobre o tema, e no qual se basearam os investigadores que publicaram o mais recente artigo na Science.
Mas que consequências são estas?
“Não podemos excluir um cenário em que uma bactéria espelho atue como uma espécie invasora em muitos ecossistemas, causando infeções letais generalizadas numa fração substancial de espécies vegetais e animais, incluindo os seres humanos”, escrevem os cientistas no relatório.
“Mesmo uma bactéria espelho com uma gama mais restrita de hospedeiros e a capacidade de invadir apenas um conjunto limitado de ecossistemas poderia causar danos sem precedentes e irreversíveis“.
Neste momento, os investigadores discutem possíveis medidas de biossegurança, tais como o desenvolvimento de vírus fagos espelho que poderiam infetar e matar as bactérias espelho, mas concluem que não é provável que sejam uma defesa suficiente.
O biólogo sintético John Glass assume que “nenhum dos autores foi capaz de apresentar uma contramedida que pensamos ser suficientemente eficaz para salvar a biosfera destes organismos”.