Ocasionalmente, somos confrontados com acontecimentos que parecem tão improváveis que sentimos que o universo nos está a enviar uma mensagem. Daí ser comum dizermos “não acredito em coincidências”.
Dizer que as “coincidências não existem” é dos erros matemáticos mais comuns.
Talvez seja efetivamente mais divertido pensar que o universo nos está a enviar mensagens do que pensar que a nossa vida está repleta de meras coincidências… mas a questão é que está mesmo.
A matemática Sarah Hart explica na New Scientist que as coincidências são frequentemente muito mais prováveis de ocorrer do que pensamos.
A regra dos 0,7
Mesmo eventos muito improváveis são suscetíveis de ocorrer se lhes for dada oportunidade suficiente. Podemos expressar isto matematicamente da seguinte forma:
- Com k oportunidades para que um acontecimento ocorra, em cada uma das quais existe uma hipótese em n de que realmente ocorra, então (assumindo que são acontecimentos independentes) a probabilidade de ocorrer pelo menos uma vez é: 1 – (1 – 1/n)k
“Mas não deixe que a álgebra o desanime”, apela Sarah Har.
A mensagem a reter é que a probabilidade de uma coincidência aumenta rapidamente à medida que o número de oportunidades aumenta.
A partir desta fórmula, podemos deduzir o seguinte facto: a probabilidade de um acontecimento “um em n” ocorrer pelo menos uma vez excede os 50% sempre que existem mais de 0,7n oportunidades independentes para que ocorra.
Este é um fenómeno a que a autora chama a “regra dos 0,7”.
Vejamos alguns exemplos
Suponhamos que toda a gente em Birmingham, em Inglaterra, tem uma hipótese num milhão de sonhar todas as noites com as notícias do dia seguinte. Como a população é superior a 700.000, é mais provável que todas as manhãs alguém em Birmingham se convença de que é vidente – nota a matemática.
Todos os dias, há muitas formas de lhe acontecer uma estranha coincidência. Se considerarmos que temos uma oportunidade por hora de viver um acontecimento deste tipo e que a esperança média de vida é de 706.000 horas, há mais do que uma hipótese de vivermos uma coincidência num milhão pelo menos uma vez.
Estas análises podem ajudar a explicar algumas das coincidências mais espantosas da história, como o curioso caso da lotaria nacional búlgara. Em setembro de 2009, os números – 4, 15, 23, 24, 35 e 42 – saíram em dois sorteios consecutivos.
Parece um caso isolado, mas o estatístico David Hand calculou que bastava que o jogo decorresse durante 43 anos para que se tornasse mais provável que os mesmos números fossem sorteados pelo menos duas vezes (a lotaria estava, nesta altura, a decorrer há 52 anos).
Outro exemplo dado por Sara Har, foi o de Roy Sullivan, um guarda florestal da Virgínia, nos EUA, foi atingido por um raio sete vezes entre 1942 e 1977.
Pode dizer-se que Roy é um homem azarado, e, na verdade, até pode ser. No entanto, o guarda teve mais “oportunidades” do que a maioria das pessoas: Há mais relâmpagos nas regiões mais quentes e húmidas dos EUA e as pessoas que trabalham ao ar livre estão mais expostas do que as que estão protegidas dentro de casa.
O plágio pode não existir?
A distinção entre coincidências e causas mais profundas é fundamental para o método científico e pode também resolver acusações de plágio.
O êxito de Ed Sheeran, Shape of You, por exemplo, foi objeto de um processo judicial em 2022 que alegava que uma sequência de quatro notas tinha sido retirada da canção Oh Why? de Sami Chokri, de 2015.
“É natural que aconteçam coincidências se 60.000 músicas forem lançadas todos os dias no Spotify”, disse Sheeran aos seus fãs depois de ganhar o processo. “São 22 milhões de músicas por ano e só há 12 notas disponíveis“.
Ed Sheeran tem razão. É uma certeza matemática que muitos desses 22 milhões de canções conterão passagens estranhamente semelhantes.
No meio académico, distinguir entre semelhanças coincidentes e plágio ou assistência de IA em trabalhos de alunos é também um desafio crescente.
Uma ferramenta de deteção de plágio chamada Turnitin tem uma taxa estimada de falsos positivos de 1% para identificar documentos com mais de 20% de conteúdo de IA. Se estivermos entre esses 1%, como provamos que não fizemos batota?
Sarah Hart dá o exemplo de uma estudante da Universidade da Califórnia, Louise Stivers que só conseguiu convencer a universidade da sua inocência fornecendo rascunhos do seu trabalho com registo de data e hora.
Destino vs. Matemática
Estima-se que cada um de nós conhece 1000 pessoas (conhecidos, colegas, vizinhos, etc.). Se estas ligações forem distribuídas aleatoriamente, existe uma probabilidade superior a 99% de termos um amigo comum ou de um amigo seu conhecer um amigo meu.
Os matemáticos Steven Strogatz e Duncan Watts descobriram que a presença de alguns indivíduos altamente conectados pode levar a distribuição geral da rede a aproximar-se da distribuição aleatória. Isto significa que, mesmo que as pessoas tenham apenas 100 amigos em média, quaisquer duas pessoas no mundo estão provavelmente ligadas por uma cadeia de menos de cinco amigos em comum.
O cliché é verdadeiro: o mundo é mesmo pequeno (e o destino não existe).
Graças às leis da matemática, as coincidências é que abundam. Como explica Sarah Hart, os acontecimentos que parecem ser uma questão de “destino” são pouco mais do que um jogo de números.