Certificavam óbitos por telemóvel por 50 euros: médicos de Bragança nem viam os corpos

Esquema de corrupção envolvia médicos e funerárias. Em alguns casos, o médico José Moreno terá permitido que o seu filho, olivicultor, emitisse certidões. “Escusais de estar com tanto trabalho (…) é tudo demência”.

José Moreno, ex-delegado de saúde de Bragança, tornou-se o principal arguido de um processo liderado pelo DIAP Regional do Porto, que acusa 13 pessoas, incluindo quatro médicos, três funerárias e os respetivos responsáveis, por crimes como corrupção, abuso de poder e acesso indevido a sistemas informáticos.

Durante o período investigado (2019 a 2021), certificou óbitos por telemóvel, à distância, baseando-se apenas em informações fornecidas pelas funerárias. Sem examinar os corpos ou visitar os locais, atribuía causas de morte como “demência senil” ou “embolia”, exigindo entre 40 e 50 euros por cada certificação, uma prática que apelidava de “taxas moderadoras”, avança o Correio da Manhã este domingo.

Moreno chegou a certificar óbitos enquanto estava de férias no Algarve. “Ela tem noventa e tal anos, não é? Escusais de estar com tanto trabalho, isso é uma embolia, são sequelas da fratura do colo do fémur e ela estava doente, não era? Claro, põem demência, senil, percebes? É o que eu vou pôr, a passar os 90 anos é tudo demência e senil”, cita o CM.

O mesmo comportamento terá sido identificado em Cristina Raposo, outra delegada de saúde, que também certificava mortes à distância, inclusive enquanto se encontrava na Eslováquia.

“Enviei a certidão de óbito, veja se recebeu, que estou em Bratislava”, escreveu numa mensagem em 2019.

O esquema envolvia a emissão de cerca de 50 certificados de óbito e guias de transporte sem qualquer verificação presencial por parte dos médicos. Em alguns casos, José Moreno permitiu que o seu filho, que trabalhava em olivicultura, utilizasse as suas credenciais para emitir documentos oficiais.

Estes serviços deveriam ser gratuitos, mas os médicos cobravam ilegalmente, partilhando os ganhos com as funerárias Brigantina, Senhor do Bonfim e Peixoto, também arguidas no processo.

Um dos episódios mais perturbadores ocorreu em outubro de 2020, quando uma mulher foi encontrada morta em Vimioso sob circunstâncias suspeitas. Apesar dos apelos da GNR e da Polícia Judiciária, José Moreno recusou deslocar-se ao local. Mesmo quando os militares levaram o corpo ao centro de saúde, o médico terá recusado examinar o cadáver.

José Moreno enfrenta 30 crimes de corrupção para ato ilícito, um de abuso de poder e outros cinco relacionados com acessos indevidos. Cristina Raposo responde por 21 crimes de corrupção e um de abuso de poder. Cristina Raposo tinha 200 mil euros e Fernando Andrade 133 mil euros não justificados. O Ministério Público pede que estes montantes sejam revertidos a favor do Estado.

Já os médicos Fernando Andrade e Domingos Borges estão acusados por um número significativamente menor de ilícitos. Todos os arguidos encontram-se atualmente em liberdade.

ZAP //

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