Uma supernova próxima poderia pôr fim à procura pela matéria escura — já amanhã

Casey Reed / Penn State

Impressão de artista de uma estrela de neutrões altamente magnetizada. De acordo com a teoria atual, os axiões seriam criados no interior quente da estrela de neutrões. Os astrofísicos da Universidade da Califórnia em Berkeley afirmam que o forte campo magnético da estrela transformará estes axiões em raios gama que podem ser detetados a partir da Terra, determinando a massa do axião.

Se tivéssemos um pouco de sorte — e uma supernova próximo de nós —  a procura pela matéria escura do Universo podia terminar muito brevemente… e em apenas 10 segundos.

A natureza da matéria escura ilude os astrónomos há 90 anos, desde que se percebeu que 85% da matéria do Universo não é visível através dos nossos telescópios.

Atualmente, o candidato mais provável à matéria escura é o axião, uma partícula leve que investigadores de todo o mundo estão a tentar desesperadamente encontrar.

Os astrofísicos da Universidade da Califórnia, em Berkeley, argumentam agora que o axião podia ser descoberto segundos após a deteção de raios gama provenientes da explosão de uma supernova próxima.

Os axiões, a existirem, seriam produzidos em quantidades abundantes durante os primeiros 10 segundos após o núcleo de uma estrela massiva colapsar numa estrela de neutrões, e esses axiões escapariam e seriam transformados em raios gama altamente energéticos no intenso campo magnético da estrela.

Uma tal deteção só é possível hoje em dia se o único telescópio de raios gama no espaço, o Telescópio Espacial Fermi, estiver a apontar na direção da supernova no momento em que esta explode. Tendo em conta o campo de visão do telescópio, isso representa cerca de uma hipótese em 10.

No entanto, uma única deteção de raios gama permitiria determinar a massa do axião, em particular o chamado axião QCD, numa enorme gama de massas teóricas, incluindo intervalos de massas que estão agora a ser analisados em experiências na Terra.

Contudo, a ausência de uma deteção eliminaria uma grande gama de massas potenciais para o axião e tornaria irrelevante a maioria das atuais pesquisas por matéria escura.

O problema é que, para que os raios gama sejam suficientemente brilhantes para serem detetados, a supernova tem de estar próxima – dentro da nossa Via Láctea ou de uma das suas galáxias satélite – e as estrelas próximas só explodem, em média, de poucas em poucas décadas.

A última supernova próxima ocorreu em 1987 na Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia satélite da Via Láctea.

Na altura, um telescópio de raios gama, o SMM (Solar Maximum Mission), apontava na direção da supernova, mas não era suficientemente sensível para detetar a intensidade prevista dos raios gama, de acordo com a análise da equipa da Universidade de Berkeley.

“Se víssemos uma supernova, como a supernova 1987A, com um telescópio moderno de raios gama, seríamos capazes de detetar ou excluir este axião QCD muito interessante, na maioria do seu espaço de parâmetros – essencialmente todo o espaço de parâmetros que não podem ser estudados em laboratório e em grande parte do espaço de parâmetros que podem ser estudados em laboratório”, disse Benjamin Safdi, professor de física na UC Berkeley e autor sénior de um artigo publicado online dia 19 de novembro na revista Physical Review Letters.

“E tudo isto aconteceria em 10 segundos“, acrescenta o investigador.

No entanto, os investigadores receiam que, quando a tão esperada supernova surgir no Universo próximo, não estejamos preparados para ver os raios gama produzidos pelos axiões.

Os cientistas estão agora a falar com colegas que constroem telescópios de raios gama para avaliar a viabilidade de lançar um ou uma frota desses telescópios para cobrir 100% do céu 24 horas por dia, 7 dias por semana, e ter a certeza de apanhar qualquer explosão de raios gama.

Até propuseram um nome para a sua constelação de satélites de raios gama de céu completo – GALAXIS (GALactic AXion Instrument for Supernova).

“Penso que todos nós neste trabalho estamos stressados com a possibilidade de haver uma supernova próxima antes de termos a instrumentação adequada”, disse Safdi. “Seria uma pena se uma supernova explodisse amanhã e perdêssemos a oportunidade de detetar o axião – pode ser que ele só volte daqui a 50 anos”.

Axiões QCD

A procura pela matéria escura centrou-se inicialmente nos ténues MACHOs (MAssive Compact Halo Objects), teoricamente espalhados pela nossa Galáxia e pelo cosmos, mas quando estes não se materializaram, os físicos começaram a procurar partículas elementares que teoricamente estão à nossa volta e deveriam ser detetáveis em laboratórios terrestres.

Estas WIMPs (Weakly Interacting Massive Particles) também não foram detetadas. Atualmente, o melhor candidato para a matéria escura é o axião, uma partícula que se enquadra perfeitamente no modelo padrão da física e que resolve vários outros enigmas importantes da física de partículas.

Os axiões também se enquadram perfeitamente na teoria das cordas, uma hipótese sobre a geometria subjacente do Universo, e pode ser capaz de unificar a gravidade, que explica as interações em escalas cósmicas, com a teoria da mecânica quântica, que descreve o infinitesimal.

Parece quase impossível ter uma teoria consistente da gravidade combinada com a mecânica quântica que não tenha partículas como o axião”, disse Safdi.

O candidato mais forte para o axião, chamado axião QCD – nome dado em homenagem à teoria reinante da força forte, QCD (quantum chromodynamics) ou cromodinâmica quântica – teoricamente interage com toda a matéria, embora fracamente, através das quatro forças da natureza: gravidade, eletromagnetismo, a força forte, que mantém os átomos unidos, e a força fraca, que explica a quebra dos átomos.

Uma das consequências é que, num campo magnético forte, um axião pode ocasionalmente transformar-se numa onda eletromagnética, ou fotão.

O axião é distintamente diferente de outra partícula leve e de fraca interação, o neutrino, que apenas interage através da gravidade e da força fraca e ignora totalmente a força eletromagnética.

As experiências de laboratório – como o Consórcio ALPHA, o DMradio e o ABRACADABRA, todas elas envolvendo investigadores da UC Berkeley – utilizam cavidades compactas que, tal como um diapasão, ressoam e amplificam o fraco campo eletromagnético ou fotão produzido quando um axião de baixa massa se transforma na presença de um forte campo magnético.

Em alternativa, os astrofísicos propuseram a procura de axiões produzidos no interior de estrelas de neutrões imediatamente após uma supernova de colapso do núcleo, como SN 1987A.

Até agora, no entanto, têm-se concentrado principalmente na deteção de raios gama resultantes da lenta transformação destes axiões em fotões nos campos magnéticos das galáxias.

Safdi e os seus colegas aperceberam-se que esse processo não é muito eficiente na produção de raios gama, ou pelo menos não o suficiente para ser detetado a partir da Terra.

Ao invés, exploraram a produção de raios gama por axiões nos fortes campos magnéticos em torno da própria estrela que gerou os axiões.

As simulações em computador mostraram que esse processo cria, de forma muito eficiente, uma explosão de raios gama que depende da massa do axião, e que a explosão deveria ocorrer simultaneamente com uma explosão de neutrinos do interior da estrela de neutrões quente.

Esta explosão de axiões, no entanto, dura apenas 10 segundos após a formação da estrela de neutrões – depois disso, o ritmo de produção cai drasticamente – embora horas antes da explosão das camadas exteriores da estrela.

“Isto levou-nos a pensar nas estrelas de neutrões como laboratórios perfeitos para a procura de axiões”, disse Safdi. “As estrelas de neutrões têm muitas coisas a seu favor. São objetos extremamente quentes. Também albergam campos magnéticos muito fortes”.

“Os campos magnéticos mais fortes do nosso Universo encontram-se à volta das estrelas de neutrões, como os magnetares, com campos magnéticos milhares de milhões de vezes mais fortes do que qualquer coisa que possamos construir em laboratório. Isso ajuda a converter estes axiões em sinais observáveis“, acrescenta.

Há dois anos, Safdi e os seus colegas estabeleceram o melhor limite superior para a massa do axião QCD em cerca de 16 milhões de eletrões-volt, ou seja, cerca de 32 vezes menos do que a massa do eletrão.

Este valor baseou-se na taxa de arrefecimento das estrelas de neutrões, que arrefeceriam mais rapidamente se os axiões fossem produzidos juntamente com os neutrinos no interior destes corpos quentes e compactos.

No presente artigo científico, a equipa da Universidade da Califórnia em Berkeley não só descreve a produção de raios gama após o colapso do núcleo para formar uma estrela de neutrões, como também utiliza a não deteção de raios gama da supernova 1987A para colocar as melhores restrições até agora sobre a massa de partículas do tipo axião, que diferem dos axiões QCD na medida em que não interagem através da força forte.

Preveem que uma deteção de raios gama lhes permita identificar a massa do axião QCD se esta for superior a 50 microeletrões-volt (micro-eV, ou μeV), ou cerca de 1×10^-10 da massa do eletrão. Uma única deteção poderia reorientar as experiências existentes para confirmar a massa do axião, disse Safdi.

Embora uma frota de telescópios de raios gama dedicados seja a melhor opção para detetar raios gama de uma supernova próxima, um golpe de sorte com o Fermi seria ainda melhor.

“O melhor cenário para os axiões é o Fermi avistar uma supernova. Só que a probabilidade de isso acontecer é pequena”, disse Safdi.

“Mas se o Fermi a visse, seríamos capazes de medir a sua massa. Seríamos capazes de medir a sua força de interação. Seríamos capazes de determinar tudo o que precisamos de saber sobre o axião, e estaríamos incrivelmente confiantes no sinal, porque não há matéria comum que possa criar um tal evento”.

// CCVAlg

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