Sul-coreanos não conseguem dormir com “bombardeamento sonoro” vindo do Norte. Não é rádio de propaganda: são ruídos assustadores e insuportáveis.
“Está a deixar-nos loucos”, diz An Mi-hee, 37 anos, ao The New York Times (NYT). “Não se consegue dormir à noite” nas aldeias fronteiriças com a Coreia do Norte, relatam os habitantes.
“É um bombardeamento sem projéteis”, conta Mi-hee. Enquanto falava com o NYT a partir da sua sala de estar, os ruídos distantes, semelhantes a gongos, continuavam no exterior, parecendo aumentar à medida que a noite avançava. “A pior parte é que não sabemos quando é que isto vai acabar, se alguma vez vai acabar.”
“Gostava que eles transmitissem apenas os velhos insultos e canções de propaganda“, exaspera-se An Seon-hoe, 67 anos, outro habitante da região fronteiriça. “Pelo menos eram sons humanos e podíamos suportá-los”.
Ultimamente, porém, a aposta dos megafones instalados na fronteira a mando de Kim Jong-un é outra: em vez de impingir propaganda, aterrorizam os habitantes com sons perturbadores, que vão desde lobos a uivar ou portas de metal a ranger e até mesmo ruídos que imitam fantasmas e outras criaturas assombrosas.
Os locais têm dificuldade em descrever estes sons, para além de lhes chamarem “irritantes” e “stressantes”. Os moradores culpam os norte-coreanos de insónias, dores de cabeça e até de abortos de cabras, galinhas que põem menos ovos e a morte súbita de um cão de estimação.
North Korea’s weapon against South Korea: Deafening noise
Since July, North Korea has ramped up its use of loudspeakers along the border, blasting unsettling sounds for up to 24 hours daily, escalating tensions along the Demilitarized Zone (DMZ). pic.twitter.com/NTo00QnNhE
— Clash Report (@clashreport) November 16, 2024
O NYT fala numa “neo-guerra fria” com o aproximar da Coreia do Norte à Rússia, o que fez aumentar as já muito fragilizadas relações entre as duas Coreias. Nos últimos tempos, os sul-coreanos têm enviado par ao norte balões com propaganda anti-regime, ao que a Coreia do Norte responde com balões que contém fezes uma prática já recorrente.
“A Coreia do Norte sabe que a sua propaganda já não funciona junto dos sul-coreanos”, diz ao NYT Kang Dong-wan, um especialista em Coreia do Norte da Universidade de Dong-A, no Sul. “O objetivo dos seus altifalantes deixou de ser o de difundir propaganda e passou a ser o de forçar a Coreia do Sul a parar as suas próprias emissões e panfletos.”
Agora, os habitantes das aldeias mantêm as janelas fechadas para diminuir o ruído. Alguns instalaram esferovite por cima das janelas numa tentativa de isolar o som. As crianças já não brincam nos trampolins ao ar livre por causa do barulho, conta o jornal.
“O governo abandonou-nos porque somos poucos e, na maioria, idosos”, diz Park Hae-sook, 75 anos, habitante de uma aldeia fronteiriça. “Não consigo imaginar o governo a não fazer nada se Seul sofresse o mesmo ataque sonoro que nós.”