Por que nos beijamos? Tem muito que ver com pelos, diz primatologista português

Beijo moderno pode ser “o que sobra” dos comportamentos de higiene dos primatas. Eis a “hipótese do beijo final” de Adriano Lameira.

As origens do beijo podem ter raízes nos hábitos dos nossos antepassados mais peludos, segundo uma nova hipótese proposta por um primatologista e psicólogo evolutivo português.

Embora atualmente seja visto como um gesto romântico, o beijo pode ter surgido como uma função mais prática, relacionada com a higiene.

A investigação de Adriano Lameira, publicada na revista Evolutionary Anthropology a 17 de outubro, sustenta que o beijo moderno pode ser “o que sobra” dos comportamentos de higiene dos primatas.

O grooming — não no sentido sexual, mas sim higiénico — é mais do que uma simples forma de limpeza com o objetivo de remover detritos, insetos e parasitas dos pelos do corpo: também fortalece os laços sociais entre os primatas.

O facto de certos animais não-humanos, como o chimpanzé-pigmeu, praticarem a mesma interação boca-a-boca com cariz sexual mostra que o beijo é na verdade bem mais antigo do que aquilo que está registado. Outros chimpanzés também o fazem como forma de interação social.

Em muitos primatas modernos, as sessões de grooming terminam com os participantes a ‘assaltarem’ os lábios uns dos outros para sugarem os últimos bocados de sujidade ou insetos ‘entranhados’ no pelo do parceiro.  Este comportamento de protusão labial pode ser o precursor evolutivo do beijo nos humanos, conclui o estudo.

“O beijo não é um sinal derivado de afeto nos seres humanos, mas representa uma forma de grooming dos primatas que conservou a sua forma, contexto e função ancestrais”, argumenta o investigador português, citado pelo Popular Science.

À medida que os antepassados humanos evoluíram gradualmente para terem menos pelos no corpo, a necessidade de se limparem uns aos outros diminuiu. Mas Lameira teoriza que a fase final do asseio — a saliência dos lábios, ou o que poderia ser visto como um beijo primitivo — permaneceu. Eventualmente, o beijo tornou-se o “único vestígio de um comportamento outrora ritualístico para sinalizar e fortalecer laços sociais e de parentesco num macaco ancestral”.

A “hipótese do beijo final” de Lameira postula que o beijo não é um comportamento afetuoso que os humanos desenvolveram por si próprios, mas sim uma forma evoluída de higiene dos primatas que foi reaproveitada como meio de ligação social. O que hoje consideramos um gesto romântico pode ser um vestígio de um comportamento prático dos nossos longínquos antepassados primatas.

Há várias respostas à pergunta ‘por que é que nos beijamos?’. De uma perspetiva mais técnica, o beijo pode ser uma forma de avaliação de potenciais parceiros de acasalamento, uma vez que, a partir do beijo, desvendamos muita coisa: a higiene e a presença de doenças, através do hálito, é um dos exemplos. Há quem diga que o beijo é uma forma de mostrar afeto ou de fortalecer a ligação de um casal.

Outros estudos vão, de certa forma, contra a teoria de Lameira, ao dizer que o beijo romântico atual nada tem de higiénico. A introdução do beijo era mais uma forma constante de transmissão de doenças.

Nem todos beijam na boca, mas…

É importante lembrar que o beijo romântico não é universal nas culturas humanas, e o estudo de Lameira reconhece-o.

Um estudo de 2015 publicado na revista American Anthropologist concluiu que apenas 46% das 168 culturas inquiridas praticam o beijo social ou romântico.

Algumas sociedades indígenas de caçadores-recoletores, por exemplo, consideram a prática pouco higiénica e até repulsiva. Os primatas não humanos também apresentam uma grande variedade de comportamentos de ligação social, com algumas espécies, como os macacos-prego, a adotarem práticas completamente diferentes, como enfiar os dedos nas narinas ou nos olhos uns dos outros como forma de ligação.

Apesar destas exceções, os comportamentos de grooming e de chupar os lábios são mais frequentemente observados em macacos terrestres, que são mais propensos a parasitas do que os seus parentes arborícolas, como os próprios macacos-prego.

Lameira espera que a “hipótese do beijo final” incentive mais pesquisas sobre os comportamentos dos grandes símios modernos, especialmente aqueles com quantidades variáveis de pelos no corpo.

“Para uma futura compreensão evolutiva da evolução do beijo humano e de outros comportamentos exclusivos da nossa espécie, será importante ter em mente e ponderar a influência do contexto sócio-ecológico, cognitivo e comunicativo mais alargado dos antepassados humanos”, escreveu no artigo.

Tomás Guimarães, ZAP //

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