Ao contrário do que afirmou na campanha, o presidente da Argentina quer agora estreitar os laços comerciais com o gigante asiático, “um parceiro comercial muito interessante, porque não exige nada”.
O governo da Argentina vê o número mais importante do mês como uma confirmação: de acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec), a inflação no país desceu para 3,5% em setembro, o nível mais baixo desde 2021.
As bolsas sobem, o risco-país está a diminuir: o duro curso de reformas do governo do presidente libertário Javier Milei parece estar a produzir os seus primeiros êxitos, pelo menos a julgar pelos principais dados económicos.
Isso não seria relevante se não fosse o aumento da taxa de pobreza. Pois, de acordo com a Pontifícia Universidade Católica Argentina (UCA), essa taxa subiu para mais de 54% no primeiro semestre do ano. Embora tenha caído ligeiramente no segundo trimestre, a evolução da pobreza e da indigência será o indicador decisivo para a gestão de Milei.
Para inverter a tendência, o populista de direita precisa de investimentos internacionais e de um sensível crescimento económico. Como o acordo de livre comércio entre a aliança comercial sul-americana Mercosul e a União Europeia – cuja negociação já dura há mais de 20 anos –, ainda não foi assinado e selado, a Argentina e os seus vizinhos Brasil e Uruguai estão a tentar avançar com as suas próprias negociações de livre comércio com a China.
Laços comerciais sem cooperação política
Milei não quer cooperar com o governo comunista de Pequim por motivos ideológicos, como afirmou em entrevista.
“Não só não farei negócios com a China. Não farei negócios com nenhum comunista. Sou um defensor da liberdade, da paz e da democracia”, afirmou durante a campanha eleitoral, em setembro de 2023.
Alguns dias atrás, teceu novo comentário, como presidente.
“A China é um parceiro comercial muito interessante, porque não exige nada, só quer que a deixem em paz.” Esta mudança de rumo desencadeou um debate sobre os prós e os contras de uma maior aproximação com Pequim.
“Uma cooperação económica mais forte com a China possibilita a compra de muitos produtos muito mais baratos do que se fossem fabricados na própria Argentina. Em troca, a Argentina pode exportar produtos para a China que são mais baratos para a Argentina”, confirma Philipp Bagus, professor de economia da Universidade Rey Juan Carlos, em Madrid.
“Ao concentrar-se nos produtos em que o país tem uma vantagem, a produção e a prosperidade gerais aumentarão. Não vejo nenhum perigo na cooperação económica, mas sim na cooperação política, que pode criar dependências. No entanto, Milei rejeita essa cooperação política”, ressalva Bagus.
Já Hans-Dieter Holtzmann, da Fundação Friedrich Naumann, ligada ao Partido Liberal Democrático (FDP) alemão, é um pouco mais cauteloso na sua avaliação da possível expansão do comércio argentino com a China, e destaca que há um interesse chinês crescente numa cooperação económica mais estreita em toda a América Latina, principalmente em setores estratégicos para Pequim, como a energia e as infraestruturas.
Oportunidade ou “doce veneno”?
“O financiamento supostamente atraente que a China oferece com frequência pode rapidamente transformar-se num ‘doce veneno‘. Embora não haja condicionalidades ambientais e sociopolíticas, como acontece com outros doadores, há condições económicas difíceis, e um rigoroso sigilo dos detalhes do contrato, o que pode ocultar práticas corruptas, entre outras coisas”, alerta Holtzmann.
Em última análise, isso pode gerar dependências económicas e políticas, e até mesmo riscos de segurança. “Os efeitos esperados sobre o emprego local também são muitas vezes sobrestimados, porque a China insiste no uso de mão de obra chinesa em muitos projetos.”
Franco Marconi, analista do think tank liberal Libertad y Progresso, acredita que qualquer governo argentino tem o dever de pesar cuidadosamente os prós e os contras da cooperação com a China: “as oportunidades comerciais devem ser aproveitadas, desde que não impliquem mudanças de princípios ou traição de uma boa governação.”
Javier Milei quer viajar pessoalmente à China em 2025. Em Janeiro, os representantes da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) reunir-se-ão no país para uma cimeira com a potência asiática.
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