A poluição e os resíduos; as alterações climáticas; e a perda de biodiversidade estão a criar uma tripla crise planetária. Mas há solução para isso: a mineração urbana. Tem noção da quantidade de “minas” que há por aí espalhadas?
Em resposta à tripla crise climática, a diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Ambiente, Inger Andersen, sugeriu que os resíduos passem a ser redefinidos como um recurso valioso e não como um problema.
Normalmente, pensamos em mineração como a perfuração ou escavação da terra para extrair recursos preciosos – e se déssemos um novo significado às minas?
A extração mineira urbana recupera estes materiais a partir de resíduos. Estes podem ser provenientes de edifícios, infra-estruturas e produtos obsoletos.
Uma mina urbana é, portanto, a reserva de metais ou materiais preciosos nos resíduos produzidos pelas cidades. Em particular, os resíduos electrónicos, ou e-waste, têm concentrações mais elevadas de metais preciosos do que muitos minérios extraídos.
O Global E-waste Monitor da ONU, citada pelo The Conversation, estimou que, em 2022, 62 mil milhões de dólares de recursos recuperáveis foram descartados como lixo eletrónico em 2022.
A extração mineira urbana pode recuperar estes recursos “escondidos” em cidades de todo o mundo. Oferece soluções sustentáveis para os problemas de escassez de recursos e gestão de resíduos. E acontece precisamente nas cidades que são centros de consumo excessivo e focos de emissões de gases com efeito de estufa, que estão na origem das alterações climáticas.
Que resíduos podem ser extraídos?
A simples eliminação dos resíduos tem custos financeiros e ambientais elevados. Os custos dos aterros estão a aumentar à medida que as cidades ficam sem espaço para eliminar os seus resíduos.
A dimensão deste problema em rápido crescimento está a impulsionar o crescimento da exploração mineira urbana em todo o mundo. Há, então, que recuperar materiais cujo fornecimento é finito, ao mesmo tempo que se reduz os impactos da eliminação de resíduos.
Materiais como o betão, tijolos, vigas, ou outros materiais de construção, e os resíduos electrónicos podem ser recuperados para reutilização.
Os resíduos urbanos podem ser “extraídos” de metais como o ouro, o aço, o cobre, o zinco, o alumínio, o cobalto e o lítio, bem como de vidro e plástico. Este aproveitamento é feito através de tratamentos mecânicos ou químicos para.
O que acontece a nível mundial?
A Europa centra-se sobretudo nos resíduos de construção e demolição. O Velho Continente produz 450 milhões a 500 milhões de toneladas destes resíduos todos os anos – mais de um terço de todos os resíduos da região. Através da sua estratégia de extração mineira urbana, a Comissão Europeia tem como objetivo aumentar a recuperação de resíduos de construção e demolição não perigosos para, pelo menos, 70% em todos os países membros até 2030.
Na Ásia, a extração mineira urbana centrou-se nos resíduos eletrónicos. Contudo, a região recupera apenas cerca de 12% das suas existências de resíduos electrónicos. As taxas de reciclagem de resíduos electrónicos variam muito: 20% na Ásia Oriental, 1% no Sul da Ásia e praticamente zero no Sudeste Asiático. A China, o Japão e a Coreia do Sul estão a liderar o processo na Ásia.
A Austrália está no bom caminho. A taxa de recuperação de materiais de construção e demolição subiu para 80% até 2022 – a mais elevada entre todos os tipos de fluxos de resíduos. No entanto, apenas recupera cerca de um terço do valor dos materiais contidos nos resíduos eletrónicos.
África também reconheceu o valor crescente dos recursos mineiros urbanos. As iniciativas regionais incluem a Declaração de Nairobi sobre os resíduos eletrónicos, a Declaração de Durban sobre a gestão dos resíduos electrónicos em África e a Plataforma de Abuja sobre os resíduos electrónicos.
Que problemas resolvem as novas “minas”?
A extração mineira urbana está a tornar-se cada vez mais relevante. A OCDE prevê que a procura mundial de materiais quase duplicará, passando de 89 mil milhões de toneladas em 2019 para 167 mil milhões de toneladas em 2060.
Esta técnica também ajuda a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. A libertação de recursos perto do local onde são necessários reduz os custos de transporte e as emissões.
As “novas minas” proporcionam ainda independência de recursos e criam emprego.
Por fim, o aumento das taxas de recuperação e reciclagem reduz a pressão sobre os recursos naturais finitos.
Que mais é necessário fazer?
Os governos têm um papel a desempenhar, adotando e aplicando políticas, leis e regulamentos que incentivem a reciclagem através da extração urbana em vez de enviar os resíduos para aterros. A legislação da União Europeia, por exemplo, impõe objetivos de reciclagem mais elevados para os resíduos urbanos em geral e para os resíduos de embalagens, incluindo 80% para os metais ferrosos e 60% para o alumínio.
A conceção do produto é uma consideração importante. Um designer deve equilibrar a eficiência de um produto com a facilidade de reciclagem. Os produtos com maior eficiência e peças fáceis de reciclar têm mais probabilidades de consumir menos energia, de provocar menos resíduos e, consequentemente, de reduzir a extração de recursos naturais.
Uma boa informação sobre os recursos disponíveis é também essencial. Haver, por exemplo, plataformas de recolha de dados sobre resíduos eletrónicos, veículos em fim de vida, baterias e resíduos da construção e das minas. Estas bases de dados centralizadas permitem um acesso fácil aos dados sobre as fontes, as existências, os fluxos e o tratamento dos resíduos.
ZAP // The Conversation