A Bloomberg acusou Eugene Kaspersky, fundador e CEO de quarta maior empresa de antivírus do mundo, de ter ligações ocultas com o governo russo, nomeadamente com os serviços de inteligência, como o KGB.
No passado dia 19 de março, a Bloomberg publicou um artigo no qual dizia que várias das pessoas que preenchem agora as fileiras da Kaspersky Lab estiveram intimamente ligadas a investigações ilegítimas levadas a cabo pelo FSB, sucessor do KGB, utilizando os dados de cerca de 400 milhões de pessoas que utilizam software da empresa.
Estas revelações foram feitas, segundo a agência, por um grupo de antigos e atuais funcionários da empresa. Foi uma roda-viva nas redes sociais, com o russo Kaspersky a defender-se dos “ataques” dos jornalistas norte-americanos.
Mas o milionário nega terminantemente as acusações, seja o envolvimento em operações menos legítimas, de colaborar com investigações de agências russas ou fornecer informações pessoais de utilizadores.
A Bloomberg aponta que Kaspersky participa frequentemente em reuniões que ocorrem de mês a mês com um grupo de cinco a dez pessoas, incluindo muitas das vezes oficiais dos serviços de inteligência russos, e que decorrem sob os vapores da banya (sauna russa). No seu blog pessoal, que usou para responder à Bllomberg, o especialista russo assegurou que estes encontros são puramente sociais, entre amigos.
Kaspersky disse que o governo não pode associar os dados detidos pela sua empresa a clientes individuais e que não se sente minimamente impelido a confessar o seu apoio ao atual presidente russo Vladimir Putin, antigo membro do KGB.
Kaspersky afirma não estar a par da realidade russa, pois vive no universo cibernético.
Empresas de segurança escolhem lados
A Bloomberg critica a Kaspersky Lab por emitir um rol de relatórios que evidenciam, detalhadamente, alegadas operações de espionagem eletrónica por entidades norte-americanas, britânicas e israelitas, deixando de parte, conscientemente segundo a agência noticiosa, as campanhas de vigilância digital operacionalizadas por órgãos governamentais da antiga joia da coroa do império soviético.
A Kaspersky Lab, em fevereiro, apresentou uma investigação sobre um grupo de hackers chamado Equation Group que, ao que parece, tinha como alvos a Rússia, o Irão e o Paquistão.
A Bloomberg afirma que os analistas da Kaspersky Lab suspeitavam que este grupo seria um pseudónimo da Agência de Segurança Nacional (NSA).
A agência acusa ainda a empresa de cibersegurança de não dar o mesmo enfoque às alegadas ligações da Rússia à Sofacy, que desenvolve software de espionagem e, alegadamente, infiltrou os sistemas informáticos da OTAN e de ministérios da Europa Oriental.
Diz ainda a Bloomberg que nos últimos tempos tem-se tornado evidente que as empresas de cibersegurança têm vindo a escolher lados, em detrimento de uma conduta imparcial.
O principal analista de segurança e de gestão de riscos da Forrester Research, Rick Holland, citado pela Bloomberg, sentenciou que a associação de uma empresa a um governo dificulta a venda dos seus produtos “num mercado global paranoico”.
Quatro ex-funcionários da Kaspersky, aos quais a Bloomberg diz ter tido acesso, afirmam que a relação entre a empresa tecnológica e o governo russo foi fortalecida após vários executivos terem abandonado a firma.
Consta que um email interno veiculado, em 2012, pelo diretor de negócio da Kaspersky, Garry Kondakov, a que dois funcionários supostamente tiveram acesso, estipulava que os lugares mais elevados da empresa seriam, a partir dessa altura, ocupados somente por russos.
Factos, história, paranóia
A empresa nega a existência de qualquer email que aponte para esta exclusividade. Kaspersky afirmou que esta declaração é absolutamente falsa e que depois de uma investigação interna nenhum email deste género foi encontrado.
“Eu nunca trabalhei para o KGB”, reiterou Kaspersky, respondendo às acusações de que no passado teria integrado a agência de espionagem russa.
No seu website, Kaspersky clarificou a situação, afirmando ter estudado matemática numa instituição apoiada pelo Ministério da Energia Atómica, pelo Ministério da Defesa, pela Agência Espacial Soviética e pelo KGB.
Depois da sua formação, continuou Kaspersky, trabalhou como engenheiro de software no Ministério da Defesa durante alguns anos. “Como se diz, nunca deixemos que os factos se coloquem no caminho de uma boa história. Certo?”, comentou por entre tons de ironia.
Três das fontes, cujos depoimentos servem de base para as acusações da Bloomberg, afirmam que Igor Chekunov, o diretor do departamento legal da Kaspersky Lab, é o elo principal das relações da empresa com o governo russo.
Com uma equipa de dez especialistas ao seu dispor, Chekunov, diz a Bloomberg, analisava os dados de clientes que foram vítimas de ciberataques. Ademais, o executivo fornecia apoio técnico ao FSB e a outras agências governamentais russas.
Apesar de o software da Kaspersky Lab conseguir um desempenho acima dos seus concorrentes, segundo a Bloomberg, estima-se que a queda do rublo vá afetar os lucros de 2014 da empresa.
Paralelamente, a Kaspersky tem tido dificuldades em conseguir contratos com entidades federais norte-americanas, e Holland chega mesmo a dizer que começa a denotar-se um claro “isolacionismo cibernético”.
Eugene Kaspersky diz que é muito fácil demonizar uma empresa nativa da nação russa, acrescentando à receita conspirativa uma pitada de obscuridade associada aos serviços de inteligência, como o KGB.
“Explorar a paranoia é sempre uma grande ferramenta para aumentar o número de leitores”, escreveu o CEO no seu website.