Um novo estudo revela que uma em cada cinco pessoas em coma pode estar “bloqueada”, o que significa que está consciente do que a rodeia mas não consegue comunicar.
Muitas pessoas em coma parecem pensar em tarefas complexas quando lhes são dadas instruções, o que sugere que estão conscientes do que se passa à sua volta.
Segundo um novo estudo, recentemente publicado no New England Journal of Medicine, algumas pessoas com lesões cerebrais graves conseguem realizar tarefas mentais complexas quando instruídas, apesar de não se conseguirem mexer ou falar.
“Era mais fácil ignorar este fenómeno quando se pensava que era uma ocorrência rara”, diz Nicholas Schiff, investigador do Weill Cornell Medical College, em Nova Iorque, citado pela New Scientist. “Mas agora, tendo em conta este estudo, mais ninguém o pode ignorar“.
As pessoas com as chamadas perturbações da consciência encontram-se em coma ou num estado vegetativo, em que não mostram qualquer consciência do seu ambiente, ou num estado minimamente consciente, em que mostram sinais ocasionais de excitação, como abrir os olhos, mas uma consciência mínima.
Num estudo publicado em 2019, os investigadores descobriram que 10% destes indivíduos pode estar bloqueado.
Para descobrir se os médicos estavam a diagnosticar erradamente pessoas neste estado, a equipa de Schiff realizou testes comportamentais e de imagiologia cerebral a 353 pessoas com lesões cerebrais graves ao longo de oito anos em seis centros internacionais.
Foi pedido aos participantes que pensassem em realizar uma série de atividades, como jogar ténis, nadar, cerrar o punho ou andar pela casa, durante 15 a 30 segundos, antes de fazerem uma pausa e voltarem a pensar na atividade. Isto foi repetido sete vezes ao longo de 5 minutos.
Em pessoas sem perturbações da consciência, estes pensamentos produzem uma atividade cerebral distinta que pode ser identificada através de exames de ressonância magnética ou electroencefalogramas. Entre as 353 pessoas com lesões cerebrais, 241 não apresentaram qualquer reação exterior a comandos verbais.
No entanto, 25% destas pessoas mostraram uma atividade cerebral semelhante à dos voluntários sem lesões cerebrais. No caso específico das pessoas em coma ou em estado vegetativo, a percentagem foi de 20 %.
“Estas tarefas são muito exigentes. Tentem pensar em nadar sem parar durante 5 minutos”, explica Schiff. “Não sabemos exatamente o que estão a sentir, mas o facto de conseguirem fazer isto significa que há uma grande probabilidade de estarem conscientes.”
As estimativas sugerem que há 300.000 a 400.000 pessoas com uma perturbação prolongada da consciência em todo o mundo, diz Schiff, o que significa que até 100.000 podem ter consciência oculta.
Este estudo reveste-se de uma enorme importância, diz Raanan Gillon, professor de ética médica no Imperial College de Londres.”Para muitas pessoas, a perspetiva de serem mantidas vivas num estado não consciente é, na melhor das hipóteses, fútil e, na pior, abominável“.
“Se, no entanto, houver uma probabilidade significativa de a falta de consciência ser apenas aparente, como estes estudos sugerem que pode ser o caso, é de prever que mais pessoas desejem ser mantidas vivas e sejam consultadas sobre os seus desejos antes de serem tomadas decisões para interromper o tratamento que prolonga a vida”, realça o professor.
Várias questões éticas, incluindo o respeito pela autonomia das pessoas e pelos seus direitos humanos, “requerem uma reavaliação à luz destes estudos”, afirma Gillon.
Os resultados também levantam questões sobre a equidade no acesso à RM e ao EEG, diz Erin Paquette, investigadora da Northwestern University, no Illinois.
“Se os centros não especializados não tiverem acesso a estas tecnologias, os doentes desses centros podem não ter as mesmas oportunidades que os outros de mudar o curso das suas vidas”, explica Paquette.
As interfaces cérebro-computador podem ser uma forma de proporcionar às pessoas com perturbações da consciência uma comunicação bidirecional, mas não são habitualmente utilizadas neste grupo, diz Schiff.
“Por que não dar estas interfaces a pessoas com perturbações da consciência, para ver se conseguem utilizá-la para comunicar?”, diz Schiff. “Na pior das hipóteses, obtêm-se duas semanas de dados úteis; na melhor das hipóteses, libertam-nos.”