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Gémeas fundiram-se e tornaram-se uma única mulher que mais tarde deu à luz… os seus sobrinhos

ZAP // DALL-E-2

Karen deu à luz a dois bebés, mas não era mãe deles. Descobriu então que sofria de um raro fenómeno genético e que tinha dois tipos de ADN. Biólogo que estudou o caso questiona: fará a identidade parte do nosso ADN?

Aos 52 anos, a norte-americana Karen Keegan descobriu, através de exames de compatibilidade genética, que afinal não era a mãe biológica de dois dos seus três filhos.

Chocada, fez mais exames que mostraram que possuía duas linhas celulares geneticamente distintas, isto é, tinha dois tipos de ADN.

Os médicos disseram-lhe, então, que era uma quimera tetragamética e que este outro ADN provinha do seu gémeo no útero da sua mãe: Karen era, geneticamente, a tia dos seus filhos.

Fenómeno extremamente raro, o quimerismo tetragamético ocorre quando dois óvulos fertilizados se fundem independentemente nos estágios iniciais de desenvolvimento embrionário, criando um único organismo com células de ambos os zigotos.

O caso da mulher natural de Boston é um exemplo de quimerismo congénito, distinto do quimerismo adquirido, que pode acontecer, por exemplo, através de transfusões de células hematopoiéticas.

Consequências legais

A descoberta desta condição em Keegan só foi possível graças a um outro caso semelhante que levantou uma série de implicações sociais e legais.

Com Lydia Fairchild como protagonista, o quimerismo conduziu a um grave mal-entendido e a uma longa disputa legal pela maternidade na capital dos EUA: Lydia quase perdeu a custódia dos seus filhos por causa da condição.

Tudo começou quando a norte-americana, mãe de dois filhos e grávida do terceiro, se separou e pediu apoio financeiro do Estado de Washington. Como parte do processo, foram exigidos testes de ADN para confirmar a relação biológica com seus filhos.

Surpreendentemente, tal como aconteceu a Keegan, os resultados indicaram que ela não era a mãe biológica das crianças, apesar de ter dado à luz cada uma delas.

A mulher foi acusada de fraude e esteve perto de de perder a guarda dos filhos. Durante a investigação, descobriu-se o caso de uma mulher com uma condição similar em Boston.

Células como “arquitetas da vida”

Além das preocupantes repercussões médicas e legais, a condição veio desafiar a visão tradicional do ADN como o único determinante da identidade biológica.

As células desempenham um papel mais ativo e decisivo do que se pensava anteriormente e o ADN não é apenas um “manual de instruções”, mas sim um conjunto de ferramentas que as células utilizam para construir estruturas complexas.

É este o argumento do biólogo e autor de The Master Builder, Alfonso Martínez Arias, que refuta o conceito influente de Richard Dawkins do “gene egoísta” e sublinha que as células interpretam e aplicam as informações genéticas de maneira autónoma durante o nosso desenvolvimento.

Seguindo a sua teoria da “célula altruísta”, as células assumem o papel principal na arquitetura da vida e os genes deixam de ser o modelo definitivo da identidade de um ser humano — por si só, não determinam a singularidade individual.

Segundo o autor, citado pelo El País, os genes fornecem apenas as matérias-primas, enquanto as células orquestram a construção de diversas estruturas biológicas, como olhos e pulmões, dentro do mesmo organismo. E recorre, para o justificar, a um conhecido caso como exemplo.

O “Copy Cat”, o primeiro gato a ser submetido a clonagem, era diferente do seu dador genético devido à inativação de certos genes, o que indica que um material genético idêntico não garante traços físicos ou comportamentais idênticos.

Tomás Guimarães, ZAP //

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