Lenda do Arsenal, campeão italiano e oitavo melhor marcador de sempre da seleção dinamarquesa. “Nunca mais foi o mesmo” depois de um acidente de carro e “seguiu o caminho errado”. Sobram-lhe 50 mil garrafas de vinho.
Era um jovem de apenas 17 anos quando partiu de Copenhaga com destino a Londres, preparado para cumprir um sonho que muitos têm.
Uma das maiores promessas do futebol dinamarquês deste século, estrear-se-ia com apenas 18 anos na frente de ataque do Arsenal, comandado pelo eterno Arsène Wenger, mas os anos não foram gentis consigo.
Afastado do futebol desde 2021, Nicklas Bendtner veio agora explicar, em entrevista ao jornal britânico Daily Mail, tudo o que correu mal — desde o acidente num Aston Martin aos vícios em garrafas de vinho e jogo.
As Nike rosa-choque
“Era um dos maiores talentos jovens do mundo”, começa por confessar o ex-avançado. Uma das distrações mais precoces? Chuteiras.
O dinamarquês lembra o contrato que assinou com a Nike, ainda adolescente, com as Mercurial Vapour Roasas, em rosa-choque, na mira. Queria ser o primeiro a usá-las.
“Apresentei a ideia à Nike e fizemos um contrato”, recorda, sublinhando que muitos craques não tardaram em copiá-lo. “O Ribéry foi um deles“, diz.
Aos 19 anos seguiu para Birmingham, por empréstimo dos gunners. Foi o segundo melhor marcador do plantel (13 golos em 48 jogos) e levou a equipa de volta ao primeiro escalão.
Tudo parecia estar a correr bem e foi chamado de volta ao Emirates, mas os anos seguintes seriam marcados por vários altos e baixos na vida pessoal, mas especialmente dentro das quatro linhas: até uma espécie de culto foi criado em seu redor.
O início do fim
Apesar de os números induzirem em erro, as épocas que se seguiram no Arsenal não foram as melhores. Muito se deveu, diz o próprio, ao facto de nunca ter recuperado de um acidente de carro, há 15 anos.
A caminho do treino dos gunners no seu Aston Martin DBS cinzento, Bendtner “espetou-se” na A1 londrina e “nunca mais foi o mesmo“.
“Foi o meu melhor período no Arsenal, a jogar no lado direito com Andrey Arshavin no lado esquerdo e Robin van Persie na frente. Jogava todas as semanas e, depois do acidente, nunca mais fui o mesmo. De repente, já não conseguia jogar cinco jogos a 100%”, diz ao jornal britânico.
“O meu corpo nunca se curou por completo”. Enchia-se de comprimidos para suportar as dores.
“Precisava deles para jogar por causa da dor. Tomei-os continuamente durante cerca de dois anos. O problema é que não conseguia treinar sem eles. Li sobre os efeitos secundários e tudo o que me aconteceu foram os efeitos secundários de os ter tomado durante demasiado tempo”, diz.
“Afetava o meu humor, a minha personalidade. No final, tive de deixar de os tomar. Na verdade, nunca devia ter começado”, recorda.
“Senhor” de um culto
“Se me perguntassem se sou um dos melhores avançados do mundo, eu diria que sim, porque acredito nisso”, dizia o avançado, de peito cheio, em 2010.
Mas notava-se cada vez mais, dentro de campo, a queda de rendimento. Aliás, era tão evidente que os adeptos do Arsenal pegaram nesta frase do dinamarquês — que mais parece saída da boca de um tal de Zlatan — e atribuíram-lhe o estatuto de “Lorde” — uma alcunha que ficou para sempre colada ao seu apelido.
Os memes com o Lord Bendtner, que hiperbolizavam, em tom irónico, as suas habilidades futebolísticas, pareciam não ter fim.
Pode-se dizer até que o avançado — que poderia ter obtido o título oficialmente, depois de namorar com a baronesa Caroline luel-Brockdorff, da realeza dinamarquesa — ficou famoso por causa das inúmeras piadas que foram surgindo online.
O estatuto chegou a ser cimentado oficialmente: “um truque divertido” do dinamarquês, que comprou um metro quadrado de terreno na Escócia para se tornar, efetivamente, um lorde.
Interesse do Benfica
A caminhada do “Lord viking” em Londres chegou praticamente ao fim em 2010/11 — voltaria em 2012/14 de dois empréstimos — e no Sunderland foi, a par de Larsson e Sessègnon, o melhor marcador, com oito golos, em 2011/12.
As prestações na Premier League chegaram a despertar o interesse do SL Benfica no verão seguinte, que terá contactado os gunners para conhecer o seu preço.
O clube londrino pedia entre 35 e 40 milhões de euros pelo dinamarquês, na altura com 24 anos: uma quantia insuportável para os cofres encarnados.
Na altura do interesse das águias, confessa agora o ex-avançado, já “tinha gastado tudo o que tinha em vinho, casas e arte”.
Multas, apostas e vinho
“Dei cabo do dinheiro todo“, recorda Bendtner: “o dinheiro desaparece rápido quando gastas 150 mil libras em vinho”.
“Desde os 19 anos que colecionei garrafas de vinho. Tenho umas 50 mil garrafas neste momento. Compras uma caixa para vender e outra para beber”, explica. Mas o dinheiro nem sempre era esbanjado com prazer.
“Tive uma multa de estacionamento caducada de 33 mil libras”, relembra: “Recebi-a mas nunca a abri, deixei-a ficar lá até que alguém me liga e diz: ‘ou pagas isso, ou vão a tua casa e tiram-te tudo’. Então tive de pagar.”
O jogo também lhe custou “muito dinheiro”.
“Quando se tem essa adrenalina do futebol, é muito difícil encontrá-la noutros sítios. Joga-se para ter essa sensação e só se consegue isso se houver muito em jogo. Podíamos estar em casa, pegar numa bola de golfe e colocar um copo a 20 metros de distância, a troco de mais de mil euros por cada vez que a acertássemos“, recorda.
O que faltou à antiga jovem promessa? “Apoio“.
“Fiquei completamente sozinho com o meu dinheiro”, confessa. “Tinha muito apoio no clube, mas não tanto fora do campo. Gostava de ter tido mais apoio quando estava a seguir um caminho errado, mas acabei por viver o melhor da vida”, acredita.
O sonho de criança foi cumprido — apenas ficou fora de jogo cedo demais.
“Na minha comunhão, usei uma camisola do Arsenal com o nome do Robert Pires. Era a camisola que queria. Estava a viver o sonho“, diz.