A vida na primeira cidade dos EUA onde a maioria dos habitantes é árabe

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A cidade de Dearborn, no Michigan, é o lar da maior comunidade árabe e muçulmana dos Estados Unidos.

A Shatila, em muitos aspectos, é um microcosmo de Dearborn. Fundada por um imigrante libanês nos anos 1970, a padaria de 45 anos é rodeada por dezenas de restaurantes, lojas, mercados, açougues halal, cabeleireiros e mesquitas, todos administrados por árabes-americanos.

Placas de sinalização em árabe e inglês orientam as pessoas nos dois maiores corredores de trânsito de Dearborn – a avenida Warren e a avenida Michigan. A cidade é vizinha de Detroit, que há muito tempo é sinónimo da Ford Motor Company e da indústria automobilística.

E, ao longo do último século, Dearborn certamente floresceu como o local com maior influência árabe dos Estados Unidos.

“Pátria longe da pátria”

Dearborn tornou-se a primeira cidade de maioria árabe dos Estados Unidos em 2023. Com 110 mil habitantes, ela abriga o Museu Nacional Árabe-Americano e a maior mesquita da América do Norte.

A cidade é governada por um dos poucos autarcas árabes e muçulmanos dos Estados Unidos. Dearborn também foi a primeira cidade americana a transformar o Eid al-Fitr (o fim do jejum do Ramadã) em feriado oficial para os funcionários municipais – e é um dos poucos lugares do país onde uma mesquita foi autorizada a transmitir a adhan (a chamada para a prece) islâmica pelos seus alto-falantes.

Para um morador local, a cidade é a “pátria longe da pátria“.

Por tudo isso, Dearborn oferece aos visitantes uma oportunidade tentadora de viajar ao Médio Oriente sem sair dos Estados Unidos, explorando como os árabes-americanos formaram a cidade – e o país.

Segundo o curador do Museu Histórico de Dearborn, Jack Tate, a cidade era pouco mais que um terreno rural escassamente povoado até o início do século XX.

Mas tudo mudou nos anos 1920, quando o fabricante de carros e futuro magnata dos negócios Henry Ford (1863-1947) transferiu a sede da sua companhia – a Ford Motor Company – de Highland Park, a 16 km de distância, para Dearborn.

“Naquela época, era uma comunidade pequena e monótona“, explica Tate. “E, quando abriu a [nova] fábrica, pessoas vieram de todas as partes dos Estados Unidos, de todo o mundo, para trabalhar para a Ford. Foi o grande início da migração do Médio Oriente para cá.”

Quando Ford criou os seus famosos automóveis Modelo T, em 1908, ele precisava de pessoas para construí-los.

O empresário era conhecido pelas suas políticas racistas de contratação contra os afro-americanos e pelo seu antissemitismo. E, na sua busca por mão de obra, Ford encontrou na região de Detroit os imigrantes recém-chegados do Oriente Médio.

Ondas de trabalhadores de lugares que hoje pertencem ao Líbano, Síria, Iraque, Iémen e aos Territórios Palestinianos logo começaram a chegar à região de Detroit, em busca de novos empregos e altos salários.

A mudança transformou o pacato vilarejo de 2,4 mil habitantes na sede da maior instalação industrial do mundo. E, mais do que isso, ela possibilitou que Dearborn passasse a abrigar a maior concentração de árabes-americanos dos Estados Unidos.

No Censo de 2020, 54,5% dos cerca de 110 mil habitantes da cidade declararam ser originários do Médio Oriente ou do norte da África.

Segundo o diretor do Centro de Narrativas Árabes, Matthew Jaber Stiffler, com cada vez mais árabes e árabes-americanos a mudar-se para Dearborn ao longo das décadas, surgiu uma rede comunitária que incentivava a chegada de mais pessoas daquela região.

“Começaram a surgir consultórios médicos, restaurantes, mercearias – até que se formou um enclave“, ele conta.

“E, infelizmente, nos países de origem – especialmente no Líbano, Iémen, Palestina e Iraque – havia transtornos permanentes (guerras civis, invasões militares americanas) [que] forçavam as pessoas a emigrar. Por isso, Dearborn continuava a receber continuamente novos migrantes, porque [já] havia pessoas [daqueles países] por aqui.”

A conquista pelo estômago

Atualmente, a forte presença árabe-americana em Dearborn talvez seja mais expressiva no setor de alimentação. Amantes da culinária vêm de todo o meio-oeste americano para visitar as suas mercearias, cafés e restaurantes especializados na cozinha do Médio Oriente .

“Dearborn, por si só, é uma aventura alimentícia“, afirma Amanda Saab, chef de cozinha libanesa-americana nascida e criada na cidade. E indica alguns dos seus lugares favoritos.

A cultura do Médio Oriente pode conquistar-nos pelo estômago em Dearborn, mas também existe muito para ver.

Em 2005, o Centro Islâmico da América abriu uma mesquita de 11,1 mil metros quadrados na Ford Road, a apenas 3,2 km da sede da Ford Motor Company.

Além de ser a maior mesquita da América do Norte (com lugar para 1000 pessoas na hora da oração), ela também é a mais antiga mesquita xiita dos Estados Unidos.

A mesquita recebe pessoas de todas as religiões. Os turistas podem visitá-la e admirar as suas cúpulas douradas, os seus imensos minaretes de 33 metros de altura e a elaborada caligrafia islâmica no seu interior.

No extremo sul de Dearborn, a Sociedade Muçulmana Americana também é aberta à visitação e oferece tours para todas as pessoas.

Construída em 1937 e ampliada ao longo dos anos, para incluir um auditório que recebe palestrantes convidados nos fins de semana, foi a primeira mesquita dos Estados Unidos autorizada a transmitir a adhan por alto-falante.

A religião é parte central da vida de muitos dos moradores árabes-americanos de Dearborn. Mas a sua história é muito mais diversificada – e é isso que o Museu Nacional Árabe-Americano pretende mostrar.

Além das galerias centrais e eventos anuais (como o Festival de Cinema Árabe), o museu também inaugurou o seu jardim do património árabe-americano Al-Hadiqa, em 2023.

No terraço do museu, uma das suas historiadoras comunitárias, Shatha Najim, mostra plantas em várias fases de crescimento, das estruturas que sustentam parreiras em desenvolvimento até as fortes cebolas egípcias recém-colhidas.

Ela conta que o jardim abre para a estação em 8 de junho. Foi criado como fruto do material que ela mesma recolheu para a coleção de histórias orais do museu. Muitas dessas histórias descrevem as experiências das pessoas que deixaram a sua terra natal.

“Acho que uma das melhores formas de realmente se conectar com a terra natal é através das plantas”, afirma. “Plantar aqui alimentos e ervas da terra natal é como formar um novo lar, um novo ambiente que você sente que é familiar.”

Najim conta que essas histórias orais formam um quadro mais completo da vida nos Estados Unidos. Para os árabes-americanos, “às vezes, grande parte da narrativa é contada para nós e não por nós”.

Mas Dearborn é diferente. “Aqui convivemos com pessoas familiares, da nossa cultura”, conta. “Talvez não do mesmo país, mas que partilham muitas semelhanças”.

“Tudo isso cria um novo sentido de pátria, que existe num novo local e forma um belo e novo lar. Talvez nem todos tivessem a intenção de acabar aqui [mas fizemos o melhor possível].”

“Daí [a expressão] ‘árabe-americano’. Nós sentimo-nos conectados a ambos.”

ZAP // BBC

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