O inventor francês Louis Le Prince desenvolveu uma câmara capaz de capturar imagens em movimento muito antes de os irmãos Lumière terem patenteado o cinematógrafo. Infelizmente, desapareceu sem rasto — antes de poder recolher os louros pela invenção do cinema.
Na primeira metade da década de 1990, uma fotografia antiga apareceu nos arquivos da Préfecture de Police de Paris.
Mostrava o corpo de uma pessoa afogada não identificada, o que rapidamente suscitou especulações: seria este infeliz o inventor francês Louis Le Prince, que desapareceu sem deixar rasto em 1889?
Este poderia não ter sido mais do que um típico caso de polícia, exceto por um pormenor crucial: se não fosse o seu desaparecimento, Le Prince teria sido considerado o verdadeiro inventor do cinematógrafo, à frente dos irmãos Lumière e de Edison.
O caso torna-se ainda mais intrigante se pensarmos nas hipóteses que surgiram para explicar o desaparecimento repentino de um inventor que se preparava para viajar até aos Estados Unidos para apresentar a máquina com que tinha registado as primeiras imagens em movimento.
É aqui que se torna morbidamente interessante, pois entram em jogo questões como as guerras de patentes, os problemas financeiros e a posterior morte do filho depois de testemunhar contra Edison em tribunal.
Louis Le Prince nasceu na cidade francesa de Metz, em 1841.
Era filho de um oficial militar condecorado com a Legião de Honra, amigo de Daguerre, artista considerado o grande precursor da fotografia por ter inventado o daguerreótipo dois anos antes, com base em experiências anteriores do químico e litógrafo Joseph Nicéphore Niépce, que captou a primeira imagem real, em 1826.
Daguerre, que recebeu a mesma medalha que o pai de Le Prince, tinha um atelier onde acolheu o jovem Louis como aprendiz, ensinando-lhe pintura, bem como química e fotografia.
O mestre faleceu em 1851, e, conta o La Brujula Verde, o aluno teve de prosseguir os seus estudos em Paris e Leipzig; nesta última, licenciou-se em Química e, em 1861, viajou para Leeds, em Inglaterra, aceitando o convite de um colega de faculdade cujo pai era proprietário de uma fundição.
Oito anos mais tarde, Le Prince casou com a irmã e sócia do seu amigo, Elizabeth, que era uma ceramista especializada formada em Sèvres.
Juntos, Louis e Elizabeth — ou a Whitley Partners, assim se chamava a sua sociedade — abriram uma escola de artes em 1871, a Leeds Technical School of Art, onde ensinavam técnicas fotográficas, que nessa altura já se tinham generalizado, e usavam cerâmica para imprimir imagens a cores.
A qualidade do trabalho fotográfico dos Le Princes, que era obviamente muito apelativo, levou-os a receber encomendas do Primeiro-Ministro William Gladstone e até da Rainha Vitória.
Em 1881, a Whitley Partners enviou Le Prince como representante para os Estados Unidos, onde detinham os direitos de um novo processo de design de interiores chamado Lincrusta, e onde decidiram instalar-se definitivamente.
Le Prince acabou por deixar este emprego para se tornar gerente de uma empresa de artistas franceses especializados em panoramas (imagens de 360º) de grandes batalhas históricas, que exibiam em digressões por todo o país.
Para melhorar estas obras, Le Prince começou a experimentar a possibilidade de acrescentar movimento às fotografias utilizadas como fundo, para que tudo ficasse mais realista.
Para tal, concebeu e patenteou uma câmara especial com 16 lentes, que, no entanto, não produziu o resultado desejado; captava o movimento de diferentes ângulos, projetando assim uma imagem confusa.
Louis Le Prince precisava de financiamento, e contactou então o famoso inventor Thomas Alva Edison, mas a ajuda não se concretizou: foi aconselhado a manter-se afastado de Edison, conhecido por se apropriar das invenções dos outros.
Assim, demorou seis anos a fazer uma segunda tentativa, numa oficina que tinha aberto com a ajuda do sogro. Desta vez, usou apenas uma lente e foi bem sucedido.
Em 1888, realizou o que seria a primeira gravação de imagens em movimento autênticas, muito para além das do cinetoscópio.
A cena tem o título não oficial de “Roundhay Garden Scene“, porque é uma breve cena que mostra um dos seus seis filhos, Louis, os seus sogros Joseph e Sarah (que curiosamente morreram poucos dias depois), e uma amiga chamada Annie Hartley a fingir que passeiam num jardim.
É de salientar que a gravação foi breve, durando apenas dois segundos. No entanto, faz agora parte da história e o seu inventor, que tinha patenteado o dispositivo, pôde filmar mais cenas. Filmar, aliás, é o termo correto: usou película fotográfica Kodak sobre base de papel a uma velocidade de sete fotogramas por segundo.
Depois de “Roundhay Garden Scene”, gravou “Traffic Crossing Leeds Bridge“, que retratava o tráfego da ponte, com peões, carruagens puxadas por cavalos e o elétrico, “Man Walking Around a Corner” e “Accordion Player“, com o filho Adolphe a tocar acordeão.
Não satisfeito com esta realização, colaborou com um mecânico chamado James Longley para construir um projetor com três lentes que pudesse projetar filmes sobre um tecido branco como ecrã.
No entanto, só a família e os amigos tinham esse privilégio; Le Prince nunca fez uma apresentação pública porque sempre se recusou a fazê-lo até ter a certeza absoluta de que a sua invenção estava a funcionar na perfeição.
E quando a sua mulher tinha finalmente tudo pronto para uma apresentação nos Estados Unidos, deu-se o enigmático desaparecimento.
Foi visitar a família a Bourges, em França, e na sexta-feira, 13 de setembro de 1890, apanhou um comboio em Paris para se encontrar com o irmão em Dijon, avisando que regressaria à capital francesa na segunda-feira. Mas quando foram ter com ele à estação, não estava a bordo.
A polícia francesa e a Scotland Yard lançaram uma busca que não deu em nada: não havia vestígios de Le Prince nem da sua bagagem. Nenhuma testemunha assinalou qualquer suspeita e o seu corpo nunca foi encontrado.
Esta incerteza deu origem a várias teorias, todas baseadas no seu contexto de vida. Por exemplo, o neto do seu irmão disse a Georges Potonniée, autor do livro “Histoire de la découverte de la photographie”, que Le Prince estava falido, o que sugere que teria cometido suicídio.
Mas isso não explica as circunstâncias estranhas nem o desaparecimento da sua bagagem, tanto mais que, como vimos, a sua situação financeira podia estar prestes a mudar.
Em 1967, Jean Mitry, teórico e produtor cinematográfico, propôs na sua obra “Histoire du cinéma” que, se o irmão de Le Prince foi a última pessoa a vê-lo com vida, deveria ser o principal suspeito, tanto mais que tinham discutido antes de se separarem — aparentemente por causa da herança da mãe.
Outra variante desta hipótese é a de que Le Prince se suicidou, não por dinheiro, mas devido à sua orientação homossexual — uma hipótese sugerida em 1966 por Jacques Deslandes no seu livro “Histoire comparée du cinéma.
11 anos mais tarde, o jornalista e escritor Léo Sauvage, que em 1965 já tinha abordado o caso de Lee Harvey Oswald, acrescentou mais uma reviravolta à história com uma nota que lhe foi dada por Pierre Gras, diretor da biblioteca municipal de Dijon.
Segundo Sauvage, Le Prince não se suicidou, mas desapareceu, possivelmente através da Legião Estrangeira; tinha experiência militar, tendo participado na guerra franco-prussiana em 1870-71, e, em 1898, foi secretamente para Chicago, a pedido da família, para evitar que a sua homossexualidade fosse exposta. No entanto, não há provas deste facto.
Uma última possibilidade, mencionada por Christopher Rawlence em 1990, está relacionada com uma guerra de patentes, que explicou na sua biografia de Le Prince, “The Missing Reel”, onde descreve as suspeitas de Elizabeth e Adolphe em relação a Thomas Edison — contra quem a American Mutoscope Company moveu uma ação judicial, conhecida como Equity 6928.
Esta empresa pretendia invalidar a patente registada pelo inventor americano, que explorou uma formulação ambígua da patente de Le Prince registada anos antes. Para o efeito, exigiu o testemunho de familiares.
No entanto, o caso foi decidido contra os autores da ação, e Edison, que agora se sabe não ter tido qualquer escrúpulo em roubar patentes de outras pessoas, ganhou o processo.
Rawlence, no entanto, acreditava que Edison não teria chegado ao ponto de cometer um assassínio, e que o suicídio era mais provável.
Para aumentar a intriga do caso, Adolphe, que ficou devastado com a decisão do juiz, morreu num acidente de caça que rapidamente deu origem a mais rumores.
Terá sido Thomas Edison a orquestrar a morte de Adolphe? Terá ele roubado conscientemente a ideia de Le Prince? Terá Le Prince entrado para a Legião Estrangeira para desaparecer?
O mistério em torno do desaparecimento de um dos pioneiros da fotografia e do cinema persiste, e a única pista é uma fotografia perdida em alguns arquivos que mostra um cadáver com alguma semelhança com Louis Le Prince. Que ironia!