As bactérias são o novo preto

Ivy Li

Cientistas criaram micróbios que produzem têxteis que se tingem a si próprios. Revolução à vista na indústria da moda.

Uma equipa de investigadores do Imperial College London criou uma carteira e parte de um sapato recorrendo a engenharia genética da bactéria kombucha para produzir melanina.

Para os fashionistas preocupados com a sustentabilidade, materiais fabricados por bactérias de crescimento rápido e amigas do ambiente oferecem já uma alternativa apelativa ao couro ou a substitutos de plástico artificial.

No entanto, colorir ou adicionar padrões a estes têxteis bacterianos implica ainda usar corantes prejudiciais ao ambiente.

Um estudo publicado a semana passada na revista Nature Biotechnology oferece agora uma solução: usar engenharia genética de bactérias para produzir pigmento de melanina — para que o material se possa tingir a si próprio.

“Este é um exemplo de como a biologia pode fornecer produtos que não só têm propriedades notáveis, mas também podem ser fabricados com uma pegada ambiental muito baixa e ser sustentáveis”, diz Sara Molinari, bióloga da Universidade de Maryland que não esteve envolvida no estudo.

Os têxteis gerados por bactérias são “uma abordagem completamente nova no fabrico de materiais”, acrescenta a bióloga.

O substituto do couro é feito de celulose, um material estrutural essencial nas plantas que também é produzido por várias espécies de bactérias.

Nos últimos anos, investigadores e designers começaram a produzir têxteis a partir de celulose bacteriana como alternativa ao couro e à pele sintética, alguns dos quais já se encontram no mercado.

O têxtil durável, que os cientistas podem fazer crescer rapidamente em formas personalizadas, tem muitas das mesmas propriedades que o couro tradicional.

Mas embora os têxteis de celulose bacteriana tenham menos impacto ambiental do que o couro ou o plástico, têm por natureza uma cor castanha ou bege — sendo habitualmente coloridos através de processos de tingimento tradicionais, que usam grande quantidade de água e libertam químicos agressivos para o ambiente.

No novo estudo, os investigadores do Imperial College London tentaram averiguar se seria possível persuadir as bactérias a produzir celulose de cor escura.

Para o descobrir, recorreram a engenharia genética de uma bactéria produtora de celulose, a Komagataeibacter rhaeticus – a mesma bactéria que ajuda a fermentar a kombucha – adicionando um gene de outra bactéria que produz o pigmento melanina negra.

Melanina é a denominação genérica de uma classe de compostos poliméricos derivados da tirosina, que dá a coloração a tecidos em toda a natureza, incluindo o cabelo, a pele humana e os olhos.

As primeiras experiências não foram prometedoras. O material de celulose parecia pálido e desbotado, em vez de preto escuro como os investigadores esperavam.

Os autores do estudo descobriram então que o meio utilizado para cultivar K. rhaeticus em laboratório se tornava mais ácido à medida que as bactérias cresciam, dificultando a produção de melanina.

Para resolver este problema, os investigadores desenvolveram um processo em duas etapas: depois de produzir a celulose, submergiram o material num banho vibratório com o mesmo pH da água, e rapidamente se desenvolveu uma rica cor preta.

Uma vez obtida a cor pretendida, os cientistas fizeram crescer folhas de celulose bacteriana com as dimensões e formas necessárias para fabricar uma carteira e a parte superior de um sapato, e usaram uma prensa térmica para eliminar as bactérias restantes.

A cor era realmente impressionante“, diz à revista Science o biólogo Tom Ellis, investigador do Imperial College e corresponding author do estudo. “Muito mais do que imaginávamos”.

Com a mesma técnica de engenharia genética da bactéria kombucha,  a equipa de investigadores criou também desenhos nos têxteis, que produziam pigmento de melanina apenas quando exposta à luz azul, que foi projetada em padrões na folha de celulose.

Os têxteis tingidos com melanina parecem ser tão duráveis como os seus homólogos de celulose não tingida, realçam os investigadores

“Há uma grande procura por este tipo de soluções nas empresas de moda — têxteis microbianos fabricados com técnicas de  biotecnologia”, diz Ellis.

Aparentemente, as bactérias são o novo preto.

ZAP //

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