“Assunto arrumado” ou “agenda escondida”? Novo referendo ao aborto deixa AD sob fogo

PSD / Flickr

O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio

Os líderes do PSD e do CDS já garantiram que o programa da AD não prevê um regresso à questão do aborto, mas a esquerda acusa a direita de querer reabrir debates que já estão encerrados.

As declarações de Paulo Núncio, dirigente do CDS e candidato a deputado da Aliança Democrática, estão a aquecer a campanha eleitoral.

Durante um debate da Federação Portuguesa pela Vida (FPV), Paulo Núncio revelou que apoia a realização de um novo referendo à interrupção voluntária da gravidez (IVG), já que “depois de a liberalização ter sido aprovada por referendo, é muito difícil reverter a lei apenas no parlamento”.

O candidato também apoiou o regresso das “medidas no sentido de dificultar o acesso ao aborto” que foram introduzidas em 2015, no fim do Governo de Pedro Passos Coelho, e que foram pouco depois revertidas pelo executivo da geringonça.

Estas medidas incluíam a cobrança de taxas moderadoras, obrigar a mulher a ter consultas de Psicologia e a ser acompanhada por assistentes sociais e permitir que objectores de consciência pudessem fazer estas consultas sem ter informar as mulheres, lembra o Diário de Notícias.

Na altura, estas propostas foram criticadas pela esquerda e por grupos de defesa dos direitos das mulheres por serem uma forma de pressão e por porem em risco a realização dos procedimentos dentro do prazo legal.

Aborto é “assunto arrumado”, diz Montenegro

Os comentários de Paulo Núncio levaram dúvidas sobre se a AD tem planos para convocar um novo referendo ao aborto. Confrontado com esta questão, Montenegro garante que o “assunto está absolutamente arrumado” e que não tem planos para uma nova consulta popular ou um pacote de medidas com as de 2015.

“Nós não temos nenhuma intenção de o fazer, que não seja cumprir a lei, dar às mulheres portuguesas todas as condições para poderem, dentro daquilo que a lei estabelece, tomar a sua decisão, de forma bem informada, de forma planeada, de forma segura do ponto de vista da sua saúde”, afirmou o líder do PSD.

O presidente dos sociais-democratas frisa ainda que os comentários de Paulo Núncio são apenas uma “expressão individual“. “O que os portugueses querem saber é qual é a minha posição e o comprometimento da AD, e esse é muito claro: nós não vamos mexer nesta legislação”, acrescentou.

Questionado sobre se esta polémica pode prejudicar a campanha da AD, Montenegro admite que “era melhor que não houvesse nenhum ruído”, mas assinala esta divergência como um exemplo da “liberdade de pensamento” dentro da coligação.

Nuno Melo também esclareceu que Paulo Núncio não estava a falar em nome da AD. “Ele disse uma afirmação de grande respeito democrático, disse que o resultado de um referendo só pode ser alterado por outro referendo. Este tema não é um tema que conste do acordo de coligação, e não é tema para a próxima legislatura“, adianta o líder do CDS, que, no entanto, confirma que “o CDS é aquilo que sempre foi” e que continua a ser contra a legalização do aborto.

Apesar do foco principal ser na AD, o Chega também foi arrastado para o debate sobre o aborto, dado que o vice-presidente do partido, Pedro Frazão, estava presente no mesmo debate que Paulo Núncio.

O deputado o Chega defendeu que “é preciso reverter as políticas de esquerda” e revelou que o partido quer criar “um fundo de emergência para famílias que pensam recorrer ao aborto por razões materiais”.

André Ventura veio a público garantir que o Chega também não vai propor um novo referendo. “Temos uma posição clara sobre isso: enquanto eu for presidente do Chega entendo que não devemos voltar à criminalização do aborto. É uma posição minha, pessoal, e sei que muita gente no partido entende diferente”, refere.

Ventura descreve ainda a polémica como uma “trapalhada absoluta” e reitera que não vai defender “o regresso a uma lei que já não funcionava muito bem e não resolve o problema”, cita o Observador.

Pedro Nuno apela ao voto das mulheres no PS

Os restantes partidos não tardaram em usar esta polémica para atacar a AD. Pedro Nuno Santos afirma não podemos “ignorar que temos a AD a defender o referendo ao aborto”.

“Aquilo que nós vemos é uma AD a querer voltar para trás. Voltar para trás para onde? Ao tempo da prisão, da criminalização e do risco de vida para a mulher? Porque esse tempo nós já o ultrapassámos. Nós queremos apontar para o futuro”, afirmou o líder socialista.

Do lado do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua acredita que “há muito a fazer para consagrar os direitos das mulheres”, mas também saúda que “nenhum partido da direita parlamentar se atreva a pôr em causa uma lei histórica e tão importante”.

Paulo Raimundo considera que o aborto é um tema “resolvido”. “Comemorámos a vitória do sim a 11 de fevereiro, uma grande vitória da saúde pública. E depois somos nós que acusamos a direita de estar sempre a falar do passado. Quem não tem nada a propor, propõe andar para trás“, atirou o líder comunista.

O PAN acredita que os comentários de Paulo Núncio “revelam a agenda escondida da AD”. “Já bastou que o PSD e o CDS a última vez que foram governo tenham imposto o pagamento de taxa moderadora às mulheres que quisessem abortar! Um voto na AD é um voto contra os direitos das mulheres“, ataca a líder Inês Sousa Real.

Rui Tavares, do Livre, aponta que “não há na sociedade portuguesa nenhum pedido para reabrir esses debate” e acusa a direita de querer “reabrir debates que já foram encerrados”.

Os liberais também rejeitam um “acordo que envolva qualquer tipo de retrocesso nessa matéria”. “Tenho a certeza absoluta que da parte do PSD e do seu líder Luís Montenegro não haverá viabilização de nenhum tipo de pretensão nesse sentido”, considera Rui Rocha.

Adriana Peixoto, ZAP //

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