Recorrendo ao Telescópio Espacial Hubble da NASA, os astrónomos observaram o mais pequeno exoplaneta onde foi detetado vapor de água na atmosfera.
Com apenas cerca de duas vezes o diâmetro da Terra, GJ 9827d pode ser um exemplo de potenciais planetas com atmosferas ricas em água noutros locais da nossa Galáxia.
“Esta seria a primeira vez que mostraríamos diretamente, através de uma deteção atmosférica, que estes planetas com atmosferas ricas em água podem realmente existir à volta de outras estrelas”, disse Björn Benneke, membro da equipa e do Instituto Trottier para a Investigação sobre Exoplanetas da Universidade de Montreal.
“Este é um passo importante para determinar a prevalência e diversidade de atmosferas em planetas rochosos”, acrescentou Benneke, citado em comunicado divulgado esta semana pela NASA.
“A água num planeta tão pequeno é uma descoberta histórica“, explicou por sua vez a co-autora principal Laura Kreidberg do Instituto Max Planck de Astronomia em Heidelberg, Alemanha. “Estamos mais perto do que nunca de caracterizar mundos verdadeiramente semelhantes à Terra“.
A descoberta foi apresentada num artigo publicado recentemente na revista The Astrophysical Journal Letters.
Ainda é muito cedo para dizer se o Hubble mediu espectroscopicamente uma pequena quantidade de vapor de água numa atmosfera “inchada” rica em hidrogénio, ou se a atmosfera do planeta é maioritariamente feita de água, deixada para trás depois de uma atmosfera primitiva de hidrogénio/hélio se ter evaporado sob a radiação estelar.
“O nosso programa de observação, liderado pelo investigador principal Ian Crossfield da Universidade do Kansas em Lawrence, Kansas, foi concebido especificamente com o objetivo não só de detetar as moléculas na atmosfera do planeta, mas também de procurar especificamente vapor de água“, disse o autor principal do artigo científico, Pierre-Alexis Roy, da Universidade de Montreal.
“Qualquer dos resultados seria excitante, quer o vapor de água seja dominante ou apenas uma pequena parte numa atmosfera dominada pelo hidrogénio”, acrescentou Roy.
“Até agora, não tínhamos sido capazes de detetar diretamente a atmosfera de um planeta tão pequeno. E agora estamos a entrar lentamente neste regime“, explicou Benneke.
“A certa altura, à medida que estudamos planetas mais pequenos, deve haver uma transição em que deixa de haver hidrogénio nestes pequenos mundos e passam a ter atmosferas mais parecidas com a de Vénus (que é dominada pelo dióxido de carbono)”, acrescentou o astrónomo.
Dado que o planeta é tão quente como Vénus, com cerca de 400º C, seria definitivamente um mundo inóspito e vaporoso se a atmosfera fosse predominantemente de vapor de água.
Atualmente, a equipa tem dois cenários. Um deles é que o planeta ainda está agarrado a uma atmosfera rica em hidrogénio e com água, o que faz dele um mini-Neptuno.
Em alternativa, poderá ser uma versão mais quente da lua de Júpiter, Europa, que tem duas vezes mais água do que a Terra sob a sua crosta.
“O planeta GJ 9827d pode ser metade água, metade rocha. E haveria muito vapor de água em cima de um corpo rochoso mais pequeno”, disse Benneke.
Se o planeta tiver uma atmosfera residual rica em água, então deve ter sido formado mais longe da sua estrela hospedeira, onde a temperatura é fria e há água disponível sob a forma de gelo, do que na sua localização atual.
Neste cenário, o planeta teria então migrado para mais perto da estrela e recebido mais radiação. O hidrogénio foi aquecido e escapou, ou está ainda a escapar, da fraca gravidade do planeta.
A teoria alternativa é que o planeta se formou perto da estrela quente, com traços de água na sua atmosfera.
O programa Hubble observou o planeta durante 11 trânsitos – eventos no qual o planeta passa em frente da sua estrela – que foram espaçados ao longo de três anos. Durante os trânsitos, a luz da estrela é filtrada através da atmosfera do planeta e tem a impressão digital espetral das moléculas de água.
Se houver nuvens no planeta, estão suficientemente baixas na atmosfera para não esconderem completamente a visão do Hubble da atmosfera, e o telescópio espacial é capaz de sondar o vapor de água acima das nuvens.
“A observação da água é uma porta de entrada para descobrir outras coisas”, disse Thomas Greene, astrofísico do Centro de Investigação Ames da NASA, em Silicon Valley, no estado norte-americano da Califórnia.
“Esta descoberta do Hubble abre a porta ao futuro estudo deste tipo de planetas pelo Telescópio Espacial James Webb. O JWST pode ver muito mais com observações adicionais no infravermelho, incluindo moléculas de carbono como o monóxido de carbono, o dióxido de carbono e o metano”, acrescentou Greene.
“Quando tivermos um inventário total dos elementos de um planeta, podemos compará-los com a estrela que orbita e compreender como se formou”, concluiu o astrónomo..
GJ 9827d foi descoberto pelo telescópio espacial Kepler da NASA em 2017. Completa uma órbita em torno de uma estrela anã vermelha a cada 6,2 dias. A estrela, GJ 9827, situa-se a 97 anos-luz da Terra, na direção da constelação de Peixes.
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