Em 2050 prevê-se que o número de mortes por infeções bacterianas ascenda aos 10 milhões devido ao grave problema da resistência a antibióticos. Mas um novo vírus, capaz de matar superbactérias adormecidas, poderá inverter o jogo e ser a solução para este problema.
Um dos principais obstáculos ao tratamento de infeções bacterianas está na capacidade de as bactérias entrarem num estado de latência em que se tornam resistentes ao tratamento com antibióticos convencionais.
Este estado dormente acontece quando as bactérias enfrentam uma falta de nutrientes ou quando sofrem um stress induzido pelos antibióticos.
Nesta situação, as bactérias conseguem paralisar o seu metabolismo e entrar num estado de repouso adormecido, o que dificulta o sucesso do tratamento.
Mas este obstáculo parece ter um fim à vista. Uma nova investigação descobriu um vírus que é capaz de atacar eficazmente bactérias adormecidas, quando administrado em combinação com determinados medicamentos.
Os autores do estudo, publicado no início do mês na Nature Communications, chamam-lhe vírus guerreiro — e há fortes razões para fazerem.
“Este é o primeiro fago descrito na literatura que demonstrou atacar bactérias em estado dormente”, explica Enea Maffei, um dos autores do estudo publicado na Nature Communications. O novo vírus, apelidado de Paride, foi isolado a partir de material vegetal em decomposição
Este vírus poderá ser útil para combater as infeções provocadas dor Pseudomonas aeruginosa, uma bactéria responsável por originar pneumonias e infeções do trato urinário. É uma das bactérias mais resistente aos antibióticos, pelo que seria um alvo principal nesta nova abordagem terapêutica.
A equipa de investigação testou a eficiência do Paride nesta população microbiana e os resultados mostraram que o novo vírus foi capaz de eliminar estas bactérias, mesmo durante o estado de latência, em células em cultura.
No entanto, o mecanismo através do qual o Paride ataca e elimina as bactérias ainda não é totalmente compreendido.
Os cientistas acreditam que o vírus utiliza uma chave molecular específica para despertar as bactérias e entrar no seu interior. Uma vez lá dentro, este sequestra a maquinaria de replicação celular e utiliza-a para a sua própria reprodução.
Quando utilizado sozinho, isto é, sem estar combinado com outros medicamentos, o Paride foi capaz de eliminar com sucesso cerca de 99% das bactérias dormentes. No entanto, o 1% restante pode contribuir para futuras reinfeções.
Por este motivo, os investigadores testaram a eficácia do vírus em conjugação com um antibiótico específico, o meropenem, o que resultou na eliminação completa da população bacteriana em cultura.
Numa experiência posterior, os cientistas averiguaram a eficácia deste tratamento em modelos de ratinhos com infeções crónicas.
Os resultados demonstraram que, quando utilizado sozinho, o Paride não foi capaz de eliminar todas as bactérias infeciosas.
No entanto, quando administrado em combinação com outros antibióticos, a taxa de sucesso foi muito superior, tendo sido possível eliminar de forma eficaz as bactérias patogénicas. Esta abordagem sinérgica é bastante promissora e poderá estar na base de futuras estratégias terapêuticas.
“Isto mostra que a nossa descoberta não é apenas um artefacto de laboratório e que pode ser clinicamente relevante”, acrescenta Maffei, em nota de imprensa publicada no site da ETH Zurich.
De acordo com um relatório das Nações Unidas, prevê-se que em 2050 ocorram 10 milhões de mortes como resultado da resistência antimicrobiana. Neste sentido, a identificação do Paride e dos seus potenciais efeitos traz uma nova esperança na batalha contra as bactérias multirresistentes.