Beber espuma de monóxido de carbono pode ajudar no tratamento do cancro

ZAP // Dall-E-2

Um grupo de investigadores desenvolveu uma espuma de monóxido de carbono que poderá ser utilizada para o tratamento do cancro. Esta nova terapia, que ainda está em fase experimental, mostrou-se capaz de aumentar a eficácia de inibidores de autofagia e assim melhorar o efeito da quimioterapia.

A autofagia é um processo celular em que as células degradam e reciclam componentes que já não precisam. Há várias situações em que a autofagia pode ser ativada, como a privação de nutrientes, o stress oxidativo, a proliferação de células cancerígenas, entre outras.

Sabe-se que, em células cancerígenas, os níveis de autofagia estão aumentados. E isto levou a comunidade científica a questionar se a utilização de inibidores de autofagia, em combinação com agentes quimioterapêuticos, poderia melhorar a eficiência do tratamento.

Já se fizeram vários estudos neste sentido, nomeadamente com antimaláricos como a cloroquina e a hidroxicloroquina. No entanto, os resultados clínicos revelaram-se bastante inconclusivos, o que levou os investigadores da Carver College of Medicine da Universidade de Iowa a questionar a razão.

“Dentro destes ensaios clínicos obtivemos resultados contraditórios – em alguns pacientes houve um benefício, mas noutros não, o que nos levou de novo à estaca zero”, diz James Byrne, autor principal do estudo, que foi apresentado num artigo publicado em dezembro na Advanced Science.

De modo a explicar porque é que a inibição da autofagia só era eficiente em alguns casos, os investigadores procuraram um padrão dentro dos pacientes com os quais fizeram o estudo. E os resultados foram, no mínimo, surpreendentes – os inibidores de autofagia tiveram um efeito muito superior dentro do grupo de pacientes fumadores.

“Quando analisamos o desempenho dos fumadores neste ensaio, reparámos que houve um aumento na resposta geral ao tratamento com inibidores de autofagia, em comparação com os pacientes não fumadores. Além disso, observámos também uma diminuição significativa no tamanho das lesões provocadas pelo cancro”, acrescenta Byrne.

Em estudos anteriores descobriu-se que a autofagia responde a moléculas de sinalização designadas por gasotransmissores, uma classe de neurotransmissores que inclui o monóxido de carbono, um componente ativo do tabaco.

Partindo deste conhecimento, os investigadores tentaram desenvolver uma técnica para fornecer dióxido de carbono de forma exógena sem ter de recorrer ao consumo de tabaco.

“Sabemos que os fumadores têm um nível mais elevado de monóxido de carbono e, embora não recomendamos de todo fumar, isto sugere que níveis superiores de monóxido de carbono podem melhorar a eficiência de inibidores de autofagia” explica o autor do estudo. “O nosso objetivo é aproveitar esse benefício e transformá-lo numa nova estratégia terapêutica”, acrescenta.

O método utilizado pelos cientistas é muito similar a algumas técnicas utilizadas na gastronomia molecular. A equipa de investigação criou um material comestível capaz de aprisionar gás no seu interior, um processo muito similar às espumas que se confecionam na alta cozinha.

Nesta espuma, designada por GeM, os investigadores infundiram uma determinada quantidade de monóxido de carbono, à qual chamaram CO-GeM.

A nova espuma oferece uma abordagem promissora que se poderá tornar numa estratégia de tratamento anticancerígena.

Numa primeira etapa, os cientistas procuraram perceber se o Co-GeM tinha um efeito sinérgico quando utilizado com inibidores de autofagia. Neste sentido, testaram várias combinações de ambos os componentes em linhas celulares de cancro da próstata, pâncreas e pulmão.

Os resultados mostraram que quando as células são expostas a doses crescentes de bafilomicina A1, cloroquina e Lys05, a toxicidade dos inibidores aumenta na presença de 250 ppm de monóxido de carbono.

Numa segunda fase, os investigadores testaram se a espuma CO-GeM produz algum efeito em modelos de ratinhos com cancro da próstata e do pâncreas.

Para tal, dividiram os animais em quatro grupos de tratamento – no primeiro grupo administraram apenas CO-GeM; no segundo grupo administraram CO-GeM com hidroxicloroquina; no terceiro grupo administraram apenas hidroxicloroquina; e no quarto grupo não administraram nada, sendo este, portanto o controlo negativo.

Os resultados do estudo mostraram que, aos 21 dias de tratamento, houve uma redução significativa do crescimento tumoral no grupo de ratinhos no qual se administrou CO-GeM com hidroxicloroquina.

Bi et al / Science Advances

Além disso, o peso dos ratinhos manteve-se estável durante todo o tratamento e não apresentaram sinais de danos no fígado, o que sugere que o tratamento é seguro e biocompatível.

“Os resultados obtidos apoiam a ideia de que níveis terapêuticos de monóxido de carbono podem aumentar a atividade anticancerígena dos inibidores de autofagia, abrindo uma abordagem promissora que pode melhorar as terapias de diferentes tipos de cancro”, explica o autor do estudo numa nota de imprensa publicada no site da Universidade do Iowa.

Embora estudos anteriores realizados com monóxido de carbono inalado tenham mostrado que este é seguro, estes resultados são ainda bastante preliminares. É preciso averiguar se o método de entrega e os materiais utilizados são seguros para o ser humano.

No futuro, este grupo de investigadores pretende ajustar as dosagens de CO-GeM até encontrar um grau de exposição que respeite os limites da FDA, 14%, enquanto maximiza a eficácia do tratamento — após o que os testes poderão passar para ensaios clínicos em humanos.

Patrícia Carvalho, ZAP //

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