Uma diretora de uma escola que hipotecou os bens para pagar salários ou um professor que pediu alargamento do empréstimo para comprar medicamentos são algumas das histórias de quem (des)espera pelas verbas prometidas pelo Ministério da Educação.
Em Portugal existem apenas seis escolas de ensino artístico público e foi através de parcerias entre o Ministério da Educação e Ciência (MEC) e as escolas privadas que o ensino da música e da dança se tornou acessível aos jovens de todo o país.
No entanto, este ano, o MEC ainda não pagou os serviços prestados pelos professores destas escolas, que dão aulas a alunos do ensino público, e os efeitos desse atraso já se sentem na vida dos docentes e escolas.
A Academia de Música de Almada deixou recentemente de dar aulas e os professores estão sem salários desde novembro, apesar do esforço dos proprietários.
“Empenhámos os nossos bens pessoais para conseguir pagar ordenados, encargos à segurança social, finanças, alugueres e luz, necessários ao normal funcionamento de uma escola”, contou à Lusa Susana Batoca, diretora administrativa e pedagógica da Academia de Música de Almada.
Entretanto, o dinheiro acabou e como não chegou a verba do ministério, em novembro deixaram de pagar contas e ordenados.
Susana Batoca estima que o valor das coimas por atrasos à segurança social e finanças e os juros dos empréstimos ascendam já a 12 mil euros. A este problema acrescenta o desgaste de ver os professores trabalhar sem receber.
“Nos últimos quatro anos temos estado cerca de quatro meses sem salário mas chega a um ponto em que não dá mais para suportar esta situação”, criticou Rui Nabais, professor de guitarra clássica há mais de duas décadas e com o ordenado em atraso há vários meses.
Em dezembro, quando contavam receber as verbas, as escolas foram informadas que os processos tinham sido enviados pela tutela para o Tribunal de Contas: proprietários e professores começaram a fazer contas às dívidas e empréstimos que contavam saldar.
Duarte Lamas, professor na Academia Musical dos Amigos das Crianças, em Lisboa, disse à Lusa que recentemente ficou sem dinheiro para pagar uma conta na farmácia.
“Fui comprar medicamentos para a minha filha e quando ia pagar já não tinha plafond. Tive de ir ao banco pedir um alargamento do empréstimo e a situação resolveu-se mas conheço professores que tinham comprado casa há pouco tempo e por isso não podem pedir mais empréstimos estando numa situação muito complicada”, desabafou Duarte Lamas.
Marta Costa, professora de coro e formação musical, está sem ordenado desde novembro e consegue sobreviver porque o marido “tem o ordenado em dia”. No entanto, com salários em atraso na ordem dos milhares de euros, “tem de gerir as contas até ao último cêntimo”.
Rui Paiva, professor que tem vivido os últimos meses sem ordenado, relatou histórias de colegas que já não conseguem pedir empréstimos e conhece mesmo o caso de um docente que perdeu a casa e, por isso, a custódia do filho.
No final de janeiro, o Tribunal de Contas revelou que os processos tinham voltado a ser devolvidos ao ministério por falta de documentos.
“Isto já não é sério. Entrámos numa situação em que já não se pode mais pactuar com uma coisa destas. Isto é insultuoso”, criticou Rui Nabais, lembrando que as escolas “estão sem um tostão desde setembro”.
Pedro Galhoz é pai de uma aluna que frequenta o ensino articulado da música e lamenta o que se está a passar sublinhando o empenhamento dos professores: “São profissionais que muitas vezes deixam de ganhar ordenado, não têm horas, não há reformas, não há nada, apenas a paixão pela arte”.
O professor Rui Paiva lembrou a importância do ensino artístico para a última geração de músicos e bailarinos, recordando nomes sonantes como Samuel Bastos, Tiago Coimbra, Adriano Ferreira, João Soeiro ou Marcelino Sambé.
No entanto lamenta que esta geração de artísticas seja ensinada à custa “do sofrimento dos professores”.
/Lusa