Poucos hospitais públicos portugueses estudam efeitos a médio e longo prazo. Rotura de stock afeta 73% dos hospitais.
Apenas 11% dos hospitais públicos fazem a avaliação do uso de medicamentos na qualidade de vida dos doentes a médio e a longo prazo, revela um estudo hoje divulgado pela Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH).
O Índex Nacional do Acesso ao Medicamento Hospitalar 2023, que é apresentado hoje em Lisboa no Fórum do Medicamento, revela que este valor baixou relativamente a 2020, ano em que 30% dos hospitais do Serviço Nacional de saúde (SNS) fazia a avaliação de efetividade e segurança dos medicamentos com base em dados da vida real.
Para o presidente da APAH, este é o dado “mais preocupante” do estudo: “Gastamos muitos milhões de euros na compra de medicamentos nos hospitais e não estamos a avaliar o valor em saúde que é acrescentado por estes medicamentos”.
Como os resultados não são avaliados, não se consegue utilizar esta informação para fazer melhores negociações com a indústria, disse, sublinhando que em sistemas de saúde de muitos países “os acordos de partilha de risco estão perfeitamente disseminados e sustentam a negociação entre fornecedor e os hospitais”.
O responsável explicou que, se porventura o resultado clínico do medicamento na vida dos doentes não se verificar, “o preço pode e deve ser reajustado”.
“Este é um aspeto fundamental que nos permite estabelecer acordos, partilha de risco com a indústria, mas também perceber quais são os medicamentos que têm melhores resultados nos doentes e, nesse sentido, incentivar aquilo que é a verdadeira inovação, os fármacos que de facto acrescentam valor em saúde e que fazem a diferença no dia-a-dia dos nossos doentes”, defendeu.
O estudo revela também que, após a introdução de uma nova terapêutica, 61% das instituições não possuem mecanismo de reavaliação dos seus resultados.
Segundo Xavier Barreto, a despesa com medicamento hospitalar aumentou 12% em 2022 e este ano está a crescer ao mesmo nível, acima dos 10%.
No seu entender, “é um contrassenso” investir-se “tantos recursos do erário público numa tecnologia que depois não é avaliada convenientemente”, defendendo que esta é uma matéria que deve preocupar a todos e constituir “uma prioridade para o Governo”.
Como razões para haver menos instituições a fazer esta avaliação, apontou a sobrecarga que os hospitais têm neste momento e, muitas vezes, até com falta de capacitação das suas estruturas.
Por outro lado, disse, “muitos serviços farmacêuticos têm recursos humanos, particularmente recursos humanos qualificados [farmacêuticos], aquém daquilo que deveriam ter” e, muitas vezes, os serviços de compras também carecem de profissionais qualificados para fazerem processos de compras baseados em valor.
“E, portanto, na verdade, as estruturas hospitalares não estão capacitadas, não têm este foco, esta prioridade de medir esta dimensão, o valor em saúde, que é acrescentado pelos medicamentos e depois utilizar essa informação, nomeadamente, em termos de contratação pública”, rematou.
O estudo conta com o suporte científico da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e tem o apoio da Ordem dos Farmacêuticos e da Associação Portuguesa de Farmacêuticos Hospitalares. Os principais objetivos são “determinar o nível de acesso ao medicamento hospitalar e analisar os modelos de gestão, mecanismos de criação de evidência e de medição de resultados que lhe estão associados, e identificar as barreiras e/ou problemas existentes associados à equidade de acesso, gestão e dispensa do medicamento nas instituições hospitalares do SNS”.
Maioria fica sem medicamentos
As ruturas de ‘stock’ de medicamentos ocorrem regularmente em 73% dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, sendo que 32% são afetados por falhas mensais, 23% semanais e 18% diárias, revela um estudo hoje divulgado.
Segundo o Índex Nacional do Acesso ao Medicamento Hospitalar 2023, promovido pela Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), 77% dos hospitais consideram as roturas um problema grave, dos quais 27% consideram que o problema afeta apenas os genéricos.
Segundo o estudo, 68% das instituições hospitalares inquiridas possui um registo de ocorrências de ruturas, mas só em 50% são registadas as soluções encontradas para as mitigar.
Em declarações à agência Lusa, o presidente da APAH, Xavier Barreto, adiantou que as ruturas e a utilização de medicamentos baseada em resultados são “as duas dimensões menos positivas” que contribuem para o resultado do Index Global de Acesso ao Medicamento relativo a 2022 situado em 58% quando em 2020 era de 66% e de 77% em 2018.
Os hospitais relatam falhas que têm que ser colmatadas através de empréstimos com outros hospitais do SNS ou utilizando outros fármacos, alternativas terapêuticas, para os doentes, uma situação que obriga “a uma sobrecarga de trabalho para as farmácias hospitalares”.
Segundo o responsável, estas ruturas não se devem a falta de financiamento dos hospitais, explicando que muitas vezes se devem a “uma dificuldade no mercado para abastecer os hospitais e as unidades de saúde em geral”.
Esta situação preocupa os hospitais, “que têm que continuamente estar a resolver estas ruturas quando deveriam estar preocupados em desenvolver processos de criação mais céleres e até mais eficientes”, mas “em praticamente todos os casos, o doente não fica sem uma resposta”.
O estudo, que teve como universo os hospitais do SNS, com uma taxa de resposta 61,2% (47% em 2018), revela que 81% dos hospitais não têm um sistema integrado de gestão de dados clínicos, financeiros e administrativos, que permitiria realizar uma análise de custo efetividade das intervenções em saúde.
Aponta também que 67% têm programas de dispensa de medicamentos de proximidade, sendo que em 50% dos casos o medicamento é entregue via farmácia comunitária, e realça o aumento do número de hospitais com consulta farmacêutica (39% versus 27% em 2020).
A carga administrativa continua a ser identificada pelos hospitais como “a grande barreira” no processo de aquisição dos novos medicamentos.
Questionados sobre as barreiras identificadas, 57% dos hospitais afirmaram que o processo não é desencadeado atempadamente (78% em 2019), 70% apontaram a carga administrativa (87% em 2018) e 10% indicou o fator preço/modelo de financiamento.
Analisando os dados do estudo, Xavier Barreto disse que surpreenderam “pela negativa”: “Há, de facto, uma redução do acesso ao medicamento”, que é medido em seis dimensões (acesso ao medicamento inovador, distribuição de proximidade, ruturas, acesso ao medicamento em função do custo/financiamento, utilização de medicamentos baseado em resultados e no acesso em fase de pré-financiamento).
Apontou a redução de 87% em 2020, para 76% em 2023, dos hospitais que utilizam novos medicamentos aprovados previamente à decisão de financiamento.
Após a decisão de financiamento, em 77% das instituições, o acesso ao medicamento ocorre apenas após a sua inclusão no Formulário Nacional do Medicamento, refere o estudo que conta com o suporte científico da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e apoio da Ordem dos Farmacêuticos e da Associação Portuguesa de Farmacêuticos Hospitalares.
No Fórum do Medicamento, será debatido entre outros temas, a reforma na legislação farmacêutica europeia.
Os objetivos passam, entre outros, por garantir que todos os doentes da União Europeia tenham “acesso atempado e equitativo a medicamentos seguros, eficazes e acessíveis; reforçar as cadeias de abastecimento e tornar os medicamentos mais ambientalmente sustentáveis”.
// Lusa