Os investigadores querem perceber como é que a mosca-da-fruta decide, com base em estimativa feitas pelo seu cérebro, corrigir erros de trajetória. Esse conhecimento pode vir a ter aplicações na compreensão das perturbações motoras humanas e na construção de robôs capazes de se mover melhor.
Quando tentamos caminhar em linha recta com os olhos fechados, após uns passos desviamo-nos inevitavelmente da trajectória pretendida. Mas de alguma forma, o nosso cérebro sabe disso – sente-o – e permite-nos corrigir aproximadamente esse erro.
Para fazermos a correcção, decidimos então aplicar ao nosso corpo uma deslocação para o lado oposto do desvio no momento em que damos o passo seguinte.
Nos últimos anos, a neurocientista argentina Eugenia Chiappe, investigadora principal do Laboratório de Integração Sensório-Motora da Fundação Champalimaud, e a sua equipa, obtiveram resultados preliminares, na mosca-da-fruta, que sugerem que a descrição acima também é válida para o cérebro destes pequenos insectos quando eles tentam caminhar em linha recta.
A questão é saber como o seu sistema nervoso consegue fazê-lo. A equipa de Eugenia Chiappe vai agora estudar este problema de forma mais aprofundada, ao longo de cinco anos, com o apoio de uma Consolidator Grant atribuída pelo ERC, o Concelho Europeu de Investigação Científica.
Esta investigação poderá ter implicações não só em termos da compreensão das bases neurais das perturbações motoras humanas, mas também para a construção de robôs capazes de se deslocar melhor em ambientes imprevisíveis.
Para estudar a locomoção das moscas, a equipa desenvolveu um set up experimental que as coloca num ambiente de realidade virtual no qual podem deslocar-se livremente.
Desta forma, explica uma nota de imprensa da Fundação Champalimaud, os investigadores descobriram que os movimentos da mosca se organizam de uma determinada maneira quando se trata de explorar um ambiente que desconhece, seja com ou sem luz.
Utilizando este set up, “Tomás Cruz, então aluno de doutoramento no nosso laboratório, estudou como as moscas se moviam”, explica Chiappe, “e pôde observar que a mosca anda para a frente em linha recta e que, a dada altura, vira, muda de direcção.”
Os investigadores chamam a esta ocorrência uma “sacada”. Por outras palavras, a locomoção exploratória da mosca é, nestas condições, uma sequência de linhas rectas e de sacadas intercaladas.
Mas há mais: “Descobrimos, em experiências iniciais, que parece existir uma relação entre a direcção e a amplitude da sacada e a magnitude e direcção do desvio relativamente à linha recta” acumulado até ao momento da sacada, acrescenta.
Isso sugere, salienta ainda, que “o cérebro da mosca sabe que o corpo da mosca está a desviar-se, tendo a capacidade de estimar esse desvio, esse erro”. Agora, um dos objectivos da equipa é perceber, ao nível neuronal, de onde vem essa capacidade.
A equipa quer também perceber como a mosca decide, com base na estimativa de erro feita pelo seu cérebro, corrigir esse erro virando o corpo de uma determinada maneira.
“Também descobrimos, num outro estudo inicial, que certas populações de neurónios, que recebem sinais da medula espinal do insecto, são cruciais para esse processo de tomada de decisão. Isto porque, quando são silenciados [com métodos genéticos], a relação entre o erro de desvio e a magnitude e direcção da sacada seguinte da mosca desaparece”, diz Chiappe.
Os investigadores têm portanto um segundo objectivo: perceber – mais uma vez ao nível neural – como a mosca, depois de integrar a informação fornecida pelo cérebro sobre o desvio de trajectória, toma uma decisão que incide sobre a sua próxima viragem de forma a corrigir esse erro.
“Sabemos muito pouco sobre a forma como os organismos integram a informação proprioceptiva (a percepção da posição das diversas partes do corpo), a informação visual e a informação vinda de outros sinais internos que têm a ver com a locomoção”, diz Chiappe.
O trabalho não será fácil, porque os processos em causa são complexos e intrincados. Mas a mosca-da-fruta é o modelo experimental ideal, diz Chiappe, e em particular o seu sistema nervoso.
Com cerca de 250 mil neurónios (incluindo o cérebro e a medula espinal), o sistema nervoso da mosca é suficientemente compacto e ao mesmo tempo suficientemente complexo.
E graças a avanços recentes, pode hoje ser mapeado de forma precisa e global, incluindo as suas ligações, o que permite “dissecar” o seu funcionamento através de técnicas de ponta como a optogenética.