Se, por um lado, é possível dizer que este não é um problema exclusivo dos Estados Unidos da América, por outro, não se prevê que os despedimentos se alastrem a outros setores.
A estabilidade dos números do desemprego é apontada como uma das razões pelas quais a economia mundial pode escapar à recessão em 2023, ao mesmo tempo que outros indicadores como a inflação dão também sinais positivos.
No entanto, não é esta a visão da indústria tecnológica, cujas empresas têm, desde os últimos meses do ano passado, anunciado sucessivos despedimentos.
Microsoft, Google, Meta e Amazon são exemplos — em alguns casos, um primeiro anúncio ocorreu no ano passado, com os primeiros dias de 2023 a trazerem números mais altos.
Apenas uma das cinco Big Tech parece estar até agora imune à tendência: a Apple, que resistiu para já à onda de despedimentos. De forma a contornar esta questão, ainda que parcialmente, o CEO da marca da maça aceitou um corte salarial na ordem dos 40%, noticiou a CNBC.
Para os especialistas, não é fácil afirmar que estamos a assistir um fenómeno de contágio, mas esta não é uma hipótese a eliminar. “É difícil identificar uma só causa para a onda de despedimentos”.
O problema surge porque muitas tecnológicas recrutaram em massa durante a pandemia e os resultados atuais não justificam [tantos funcionários], mas também se acumulam receios devido à inflação e uma estratégia com menos trabalhadores fica bem junto dos acionistas”, explicou ao jornal Público Carrie Lane, investigadora especializada na evolução do mercado de trabalho nos Estados Unidos.
De acordo com a mesma especialista, é mesmo possível identificar um “elemento de contágio“, sobretudo em gigantes tecnológicas, como é o caso da Meta, face a empresas mais pequenas, que copiam o que as gigantes estão a fazer. “As empresas mais pequenas questionam se as empresas maiores sabem algo, que elas não sabem, sobre o futuro da indústria”, explica.
Também Jeffrey Pfeffer, professor de negócios na Universidade de Stanford, aceita e corrobora esta opinião. “Os despedimentos na indústria tecnológica são essencialmente um caso de contágio social, em que empresas imitam o que as outras estão a fazer”, pode ler-se num artigo de opinião assinado por si.
“Se pode haver uma recessão tecnológica? Sim. Se existiu uma bolha na valorização [de empresas]? Certamente. Se a Meta contartou pessoas a mais? Provavelmente. Mas é por isso que estão a despedir? Claro que não”, sintetizou. “As empresas [que despedem] estão a fazer dinheiro. Estão a despedir porque outras empresas estão a despedir.”
No entanto, esta estratégia nem sempre tem efeitos a curto prazo, já que com os cortes laborais surgem as compensações, que têm originado um aumentos custos. No caso da Microsoft, cerca de 800 milhões de euros tiveram de ser direcionados para este fim, apesar de as receitas totais terem aumentado 2%.
No caso da Meta, as quebras nos resultados aconteceram sobretudo com as receitas da publicidade, o principal negócio do Facebook e do Instagram. Estes números preocupam os investidores, o que leva os dirigentes a optarem pelos despedimentos.
Numa perspetiva nacional, Rodrigo Belo, professor da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) recusa a perspetiva de contágio social.
“O que estamos a ver não é um efeito contágio, mas sim ajustes semelhantes motivados pela mesma razão: expectativas altas em relação ao mercado que não se vieram a revelar. Estes despedimentos refletem um ajuste ao tempo da pandemia e talvez da guerra. Com a abertura da economia e o regresso de outros serviços, como restaurantes, as tecnológicas viram a procura diminuir, ou não crescer tanto, e tiveram de se ajustar, incluindo na sua força de trabalho”, justificou o especialista ao Público.
Apesar da turbulência, não se espera que a área da tecnologia perca a atratividade que a tem caracterizado, sobretudo nos últimos anos.
“A guerra pelo talento tecnológico vai-se manter idêntica àquilo que vimos nos últimos anos”, antecipou Fabienne Viegas, da empresa de recrutamento especializado Robert Walters. “[Os despedimentos] estão a afetar a área tecnológica, mas no final a Google contratou mais de 65 mil profissionais nos últimos três anos e os cortes afetaram cerca de 12 mil profissionais. A empresa contratou mais profissionais do que aquelas que despediu”.
Tal como destaca o recrutador, “todos os despedimentos de 2023 são uma pequena fração dos profissionais contratados em 2022”.
Se, por um lado, é possível dizer que este não é um problema exclusivo dos Estados Unidos da América, onde estão sediadas a maioria das empresas de tecnologia, já que também profissionais da Irlanda foram afetados; por outro, não se prevê que os despedimentos se prolonguem para outros setores. “Não vejo indícios de alastramento”, diz taxativamente Rodrigo Belo.
“Os profissionais que perderam o emprego nas tecnologias são, em geral, altamente qualificados e não terão dificuldade em encontrar novos empregos, talvez não tão atrativos financeiramente, mas nos últimos anos o mercado tem sido muito atrativo para estes profissionais.”