“Estragou tudo”. Biden sob fogo após pedir ao Congresso que bloqueie greve ferroviária

gageskidmore / Flickr

O Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden

Biden está a ser acusado de trair o movimento sindical após pedir ao Congresso que aprove uma lei com o intuito de impedir que a greve de 115 mil trabalhadores do sector ferroviário avance.

É um cenário improvável para Joe Biden — que está no centro de uma polémica onde está a ser aplaudido pelos seus típicos críticos no mundo empresarial e a ser criticado por aqueles que normalmente são seus aliados nas chefias sindicais.

Em causa estão as reivindicações dos 115 mil trabalhadores do sector ferroviário, que se queixam do impacto que os horários imprevisíveis de trabalho têm na sua saúde e nas suas vidas pessoais, escreve o The New York Times.

Os sindicatos afirmam que os patrões podem, em teoria, resolver estes problemas ao oferecerem folgas pagas. No entanto, os trabalhadores acusam os patrões de não cumprirem esta realidade na práctica, rejeitando as datas de folga apresentadas pelos funcionários e limitando a janela temporal em que podem pedir férias.

A ameaça de greve já paira desde Setembro, mas o Secretário do Trabalho, Marty Walsh, conseguiu mediar um acordo provisório em cima do joelho, onde ficou estipulado que os trabalhadores poderiam tirar alguns dias de folga até três vezes por ano para consultas médicas de rotina sem qualquer sanção disciplinar. Ficou ainda prevista uma subida de 24% dos salários entre 2020 e 2024.

Desde então, quatro das 12 centrais sindicais rejeitaram o acordo e queixam-se de que esta concessão não é suficiente e não responde ao problema estrutural do sector — um modelo de negócio assente na falta de pessoal, que obriga os trabalhadores a ter de frequentemente sacrificar a vida pessoal para cumprir os serviços necessários.

Neste sentido, os sindicatos anunciaram que iam avançar com uma greve nacional com início a 9 de Dezembro que ameaça paralisar o país e agravar ainda mais a escalada de inflação que está a varrer o país.

O abastecimento de água e energia pode sofrer disrupções e uma análise do Anderseon Economic Group calculou que a greve poderia custar mil milhões de dólares à economia norte-americana apenas na sua primeira semana.

A Casa Branca prevê que a paralisação levasse a que 765 mil pessoas que dependem dos comboios para irem para o trabalho tivessem de ficar em casa durante as duas semanas de greve.

Biden quer bloquear greve

É aqui que entra em cena Joe Biden. Apesar de ser geralmente uma figura querida no mundo sindical e de até ter a alcunha “Union Joe” (Joe Sindicalista), o Presidente dos Estados Unidos quer impedir que a greve avance.

Após meses em que ficou em silêncio na esperança de que um acordo definitivo fosse alcançado, esta segunda-feira, Biden pediu ao Congresso que intervenha para bloquear a paralisação ao adoptar oficialmente o acordo assinado em Setembro, dizendo não ver um “caminho que resolva a disputa na mesa das negociações”.

“Estou a pedir ao Congresso que aprove legislação para adoptar o Acordo Provisório entre os trabalhadores e operadores ferroviários — sem quaisquer modificações ou atrasos”, lê-se no comunicado da Casa Branca.

Biden recorda que o acordo foi considerado uma “resolução justa” pelos “líderes sindicais, líderes dos negócios e pelos responsáveis políticos” e que a maioria dos sindicatos votou a seu favor.

“Não podemos deixar que a nossa convicção forte de que haverá melhores resultados para os trabalhadores negue aos trabalhadores os benefícios do acordo alcançado e que mergulhem este país numa greve devastadora“, remata.

A resposta do chefe de Estado surge depois de 400 empresas terem apelado ao Congresso na segunda-feira que agisse para travar a greve.

Mike Sommers, CEO do American Petroleum Institute — grupo de lobby em nome da indústria petrolífera que depende do transporte ferroviário e que têm chocado com Biden devido aos preços dos combustíveis — aplaudiu a sua intervenção e considera que o Congresso é a “única coisa que pode garantir que a economia americana não sofra um grande golpe”.

A Presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, confirmou que vai convocar um voto o mais rápido possível. A CNN avança que o Senado também deve votar a proposta de Biden ainda esta semana e que é provável que esta seja aprovada, já que pelo menos 10 Republicanos devem com os Democratas de forma a que a lei não fique encalhada devido ao filibuster.

O único risco em cima da mesa é algum Senador que se oponha ao bloqueio da greve arraste o debate durante os próximos dias, de forma a que a paralisação comece antes da aprovação da lei.

O Senador Independente Bernie Sanders, que pertence ao caucus Democrata e que é um dos principais rostos do movimento progressista nos EUA, ainda não esclareceu se pretende bloquear a lei. No entanto, Sanders não tem escondido o facto de não ser adepto do acordo provisório.

“Os trabalhadores por este país que trabalham no sector ferroviário, pessoas que têm trabalhos perigosos em e que estão expostas a mau tempo, têm zero dias de baixa médica paga. Isto é escandaloso. Acho que o Congresso tem de fazer tudo o que pode para proteger estes trabalhadores e garantir que estes são tratados com o respeito e a dignidade que merecem”, afirmou Sanders esta terça-feira.

“Não chega entender as queixas”

As chefias dos quatro sindicatos que rejeitaram o acordo provisório não estão a poupar nas críticas a Biden e os outros oito sindicatos estão prontos para honrar a greve, independentemente da intervenção do Congresso.

Biden diz compreender as reivindicações, mas “não chega entender as queixas”, acusa o sindicato Brotherhood of Maintenance of Way Employes Division que representa 23 mil trabalhadores que fazem a manutenção das linhas.

“Um pedido para o Congresso agir imediatamente para passar legislação que adopte o acordo provisório que exclui baixa média paga é ignorar as queixas dos trabalhadores”, remata.

Michael Baldwin, presidente da Brotherhood of Railroad Signalmen, reforça que a greve é a única forma de as chefias das empresas cederem e lembra que a reivindicação da baixa médica paga não é de agora.

“Isto tornou-se um problema óbvio durante a pandemia, quando tivemos membros que foram forçados a ficar em casa de quarentena sem ser pagos. Mas no geral baseia-se em coisas simples, como apanhar gripe e faltar um dia ou dois, ou ter de ficar em casa a cuidar de uma criança doente”, argumenta.

Hugh Sawyer, tesoureiro do caucus sindicalista Railroad Workers United, vai mais longe. “Joe Biden estragou tudo. Teve uma oportunidade de provar o seu pedigree de amigo dos trabalhadores ao simplesmente pedir ao Congresso que passasse uma lei que acabasse com a ameaça de uma greve com termos mais favoráveis aos trabalhadores”, começa.

“Infelizmente, nem sequer defendeu meia dúzia de míseros digas de baixa pagos. Os Democratas e os Republicanos são ambos peões das grandes empresas”, acusa.

Adriana Peixoto, ZAP //

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