Os casinos de Las Vegas perderam milhões de dólares com um truque desconhecido que permitia viciar as máquinas baralhadoras. Até que a empresa fabricante das baralhadoras contratou o mágico e matemático Persi Diaconis, o maior especialista do mundo na matemática do baralhamento de cartas.
Recentemente, a maior fabricante de máquinas baralhadoras de precisão para casinos descobriu que uma das suas máquinas tinha sido hackeada por um grupo desconhecido.
Os hackers usavam uma câmara de vídeo escondida atrás de uma janela para gravar o funcionamento do baralhador de cartas.
As imagens, transmitidas para um cúmplice no parque de estacionamento do casino, eram reproduzidas em câmara lenta para identificar a sequência das cartas do baralho, que era depois transmitida para os jogadores na sala de jogo.
Um dos casinos de Las Vegas perdeu milhões de dólares até o gang ser finalmente desmascarado.
A descoberta da falha que permitiu a fraude deixou os diretores da fabricante de baralhadores mecânicos em alerta. Milhares das suas máquinas estavam em operação em Las Vegas, nos Estados Unidos, e no resto do mundo.
A empresa decidiu então tomar medidas para que as suas máquinas não pudessem voltar a ser hackeadas, e criou o protótipo de uma nova e sofisticada baralhadora — desta vez enclausurada numa caixa opaca.
Os engenheiros da empresa garantiram que a máquina baralharia as cartas de forma eficiente, com apenas uma passagem pelo aparelho, reduzindo o tempo de manipulação humana do baralho, e dificultando a atividade de contadores de cartas e crupiês desonestos.
Mas a empresa precisava de ter a certeza de que a sua nova máquina baralhava bem as cartas, e era invulnerável a quaisquer ataques fraudulentos.
É aqui que entra Persi Diaconis, mágico e matemático na Universidade Stanford, considerado o maior especialista do mundo na matemática do baralhamento de cartas.
Em toda a literatura académica sobre o tema, que é surpreendentemente grande, o nome de Diaconis destaca-se como o ás de espadas num truque de magia.
A fabricante de baralhadoras convidou Diaconis a analisar o funcionamento interno da nova “caixa preta”, e desafiou-o a tentar encontrar falhas.
Diaconis aceitou imediatamente o desafio, e rumou a Las Vegas com a sua colega Susan Holmes, investigadora no Departamento de Estatística da Universidade de Stanford.
A dupla de matemáticos pouco tempo precisou de estar no showroom da empresa com o protótipo da máquina para descobrir logo uma falha.
Embora a ação de baralhamento mecânico parecesse aleatória, os matemáticos observaram que o resultado ainda tinha sequências crescentes e decrescentes, o que significava que ainda era possível fazer previsões sobre a ordem das cartas.
Para o provar aos executivos da empresa, Diaconis e Holmes idealizaram uma técnica simples para adivinhar qual seria a próxima carta a ser mostrada.
Digamos que a primeira carta aberta fosse o 5 de Copas. Se a sequência estivesse a aumentar, a dupla apostava que a carta seguinte seria o 6 de Copas.
Se a carta seguinte, na realidade, fosse mais baixa — o 4 de Copas, por exemplo — a sequência era descendente e o palpite seguinte seria o 3 de Copas.
Com esta estratégia simples, os matemáticos adivinharam 9 a 10 cartas por baralho — um quinto do total e o suficiente para duplicar ou triplicar a vantagem de um contador de cartas competente.
Contar cartas é uma prática em que o jogador acompanha as cartas que já foram jogadas, para ter uma leve vantagem ao prever a probabilidade de que a carta seguinte seja boa ou má.
Esta prática existe há décadas, e em alguns jogos como o bridge, é uma parte legítima do jogo. Mas é fortemente reprimida em jogos de casino, como o Blackjack ou 21, e é ilegal o uso de tecnologia para ajudar a contar cartas.
Os executivos da fabricante de baralhadoras ficaram horrorizados. “Não estamos nada satisfeitos com as suas conclusões”, disseram a Diaconis, “mas acreditamos nelas e foi para isso que o contratámos“.
A empresa arquivou silenciosamente o protótipo e voltou a sua atenção para outra máquina de “baralhamento perfeito”.
Mas, na realidade, o “baralhamento perfeito” tem um grave problema — e ninguém melhor que Persi Diaconis para o explicar aos executivos da empresa.
Magia e matemática
Diaconis passou a vida toda a estudar problemas nas fronteiras entre a ordem e a aleatoriedade — seja para descodificar mensagens cifradas, analisar cadeias de DNA ou otimizar mecanismos de busca na web.
O seu interesse pelas cartas começou num encontro casual em Nova Iorque, em 1958. Então com 13 anos, conheceu Alex Elmsley, mágico escocês e cientista da computação que tinha conseguido dominar o “baralhamento perfeito”.
Às vezes chamado “baralho do faraó” ou “a técnica”, o baralhamento perfeito consiste em cortar um baralho em dois montes com exatamente 26 cartas cada um e alternar as cartas perfeitamente como se fosse um fecho éclair, intercalando alternadamente uma carta de cada mão.
Muito poucas pessoas conseguem fazer isso corretamente em menos de 10 segundos. Diaconis é uma delas.
O baralhamento perfeito é usado por jogadores e mágicos há séculos, porque dá a ilusão de que as cartas são baralhadas aleatoriamente. Mas, na verdade, a ordem das cartas num baralhamento perfeito está longe de ser aleatória.
Se usarmos a mesma sequência de baralhamentos perfeitos 8 vezes seguidas, o baralho retorna magicamente à sua ordem original.
A matemática das cartas
Há uma matemática subtil por trás deste truque. Imagine que numera um baralho novo de 1 a 52, em que 1 é a carta no topo do baralho e 52 é a última carta.
Quando fazemos um baralhamento perfeito, as cartas movem-se para novas posições no baralho. A carta que estava originalmente na posição 2, por exemplo, irá mover-se para a posição 3; a carta na posição 3 irá para a posição 5… a carta na posição 27 voltará para a posição 2 e assim por diante.
O baralhamento perfeito pode ser considerado uma série completa de ciclos, como a dança das cadeiras em jogos separados. O número de vezes necessário para que as cartas voltem à sua ordem inicial é o mínimo múltiplo comum das extensões de todos os ciclos: neste caso, 8 (já que 8 é o mínimo múltiplo comum de 1, 2 e 8).
Diaconis aprendeu este truque com Elmsley, e a conversa com o escocês despertou-lhe curiosidade. Que outras ligações haveria entre matemática e magia?
O mágico e matemático diz que o seu túmulo terá gravada uma frase simples: “7 baralhamentos são suficientes“.
Diaconis refere-se à sua mais famosa descoberta: são necessários (e suficientes) apenas 7 “baralhamentos rápidos” para criar um baralho suficientemente aleatório.
O baralhamento rápido é uma outra técnica conhecida, usada nos casinos e por jogadores de cartas honestos, na qual o baralho é cortado em dois e as cartas são empurradas com o polegar para que fiquem entrelaçadas de forma satisfatória.
O baralhamento rápido é irmão gémeo do baralhamento perfeito. Em vez de intercalar perfeitamente as duas metades do baralho, as metades são misturadas entre si em grupos desordenados, plantando uma semente de aleatoriedade que mistura progressivamente as cartas de cada vez que elas são baralhadas.
Após um ou dois baralhamentos rápidos, algumas cartas irão permanecer na sua sequência original. Mesmo após quatro ou cinco baralhamentos (muito mais do que o normal, na maioria dos casinos), o baralho mantém algum traço da sua ordem original.
Mas, quando baralhamos as cartas 7 vezes, estas ficam verdadeiramente misturadas, pelo menos segundo a maior parte dos testes estatísticos.
Para lá deste ponto, misturar mais as cartas não traz grandes resultados. “Isto é o mais próximo do aleatório a que se pode chegar“, diz Diaconis.
Nos anos 1990, um grupo de estudantes de Harvard e do MIT conseguiu bater as probabilidades a jogar Blackjack em casinos de várias cidades dos Estados Unidos, contando cartas e usando diversos métodos para verificar se estavam bem baralhadas.
Os casinos responderam então introduzindo máquinas de baralhar cartas mais sofisticadas e baralhando as cartas antes que entrassem totalmente no jogo. Mas ainda é raro ver as cartas serem baralhadas as 7 vezes necessárias num casino.
Persi Diaconis poderia ganhar a vida a jogar cartas em casinos. Mas o professor de Estatística e Matemática na Universidade de Stanford diz que há formas melhores e mais interessantes de ganhar a vida.
Ainda assim, Diaconis não guarda ressentimento aos jogadores que tentam ganhar vantagem nos casinos a usar o cérebro. “Pensar não é fazer batota“, diz. “Pensar é pensar.”
ZAP // BBC