Guterres pede impostos em combustíveis fósseis para combater a “cascata de crises”

André Kosters / Lusa

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres

António Guterres prevê um “inverno de descontentamento global” perante as crises enfrentadas nesta altura, tendo em conta a tensão da guerra na Ucrânia.

Depois de dois anos de pandemia, durante os quais os chefes de Estado ou de governo discursaram em videochamada, o regresso à sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, ficou marcado pelo discurso do secretário-geral, António Guterres.

O português alertou os líderes e diplomatas sobre a “cascata de crises” e seus efeitos, que irão culminar em breve num “inverno de descontentamento global“, utilizando uma adaptação da primeira frase de Ricardo III, de William Shakespeare.

Com a ausência dos líderes da Rússia e da China, os debate da 77.ª assembleia geral da Organização das Nações Unidas arrancaram com o secretário-geral a salientar que o “mundo está em grandes dificuldades”.

Guterres deu depois o exemplo positivo dos acordos assinados há dois meses em Istambul, entre as autoridades de Kiev e de Moscovo com o governo turco e as Nações Unidas, para garantir o desbloqueio dos cereais ucranianos dos seus portos, bem como dos fertilizantes russos.

“Há outra batalha que devemos terminar — a nossa guerra suicida contra a natureza. A crise climática é a questão decisiva do nosso tempo. O mundo está viciado nos combustíveis fósseis”, apelou ainda Guterres, citado pelo Diário de Notícias.

“Este navio é um símbolo do que podemos alcançar quando trabalhamos em conjunto”, declarou o secretário-geral ao falar do Brave Commander, o primeiro navio que com a bandeira da ONU, que transportou 23 mil toneladas de cereais para a Etiópia e o Iémen. “Cada navio também transporta uma das mercadorias mais raras da atualidade: a esperança.”

Mas esperança rapidamente desapareceu, quando o dirigente português relembrou que “se o mercado dos fertilizantes não estabilizar no próximo ano, o problema pode ser a distribuição de comida”, apelando à “remoção dos obstáculos e à exportação dos fertilizantes russos” — nenhum destes produtos está sujeito às sanções económicas ocidentais.

“A Rússia não pode impor a sua vontade por meios militares ainda que com cinismo proponha simulacros de referendos em territórios bombardeados e mais tarde ocupados”, defendeu o presidente francês, Emmanuel Macron.

Putin acusou a Europa de bloquear 300 mil toneladas de fertilizantes, horas antes. “O cúmulo do cinismo é que mesmo a nossa oferta de transferir gratuitamente 300 mil toneladas de fertilizantes russos bloqueados nos portos europeus, devido a sanções, para países que deles necessitam continua sem resposta”, acrescentou Macron.

Não tenhamos ilusões, estamos em mares agitados“, continuou Guterres. “Um inverno de descontentamento global está no horizonte. A crise do aumento de custo de vida está a agravar-se. A confiança está a desmoronar-se, as desigualdades estão a disparar, o nosso planeta está a arder. As pessoas estão em sofrimento — com os mais vulneráveis a padecer mais. A carta das Nações Unidas e os ideais que representa estão sob ameaça. Temos o dever de agir. E no entanto estamos manietados numa colossal disfuncionalidade mundial”, apelando à coligação global.

Para além desta previsão desanimadora, Guterres sugeriu a redistribuição dos lucros das empresas ligadas aos combustíveis fósseis, para ajudar a baixar os preços dos alimentos e compensar os danos das alterações climáticas.

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, foi o primeiro líder a falar na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, tendo aproveitado para fazer campanha eleitoral e atacar o candidato Lula da Silva.

Já o chileno Gabriel Boric apelou à humildade em democracia e o turco Recep Erdogan, assumiu-se como mediador de conflitos, em resultado da derrota do referendo à proposta da nova constituição.

“Continuaremos a envidar esforços para acabar com a guerra com base na integridade territorial e na soberania da Ucrânia. Precisamos de encontrar uma solução diplomática que dê a ambas as partes uma saída digna para a crise”, sublinhou Recep Erdogan.

Erdogan defendeu ainda uma “saída digna” para a crise, relativamente à guerra russa na Ucrânia, tendo ainda revelado, em entrevista à PBS, que os dois países concordaram numa troca de 200 prisioneiros. O turco voltou a defender que Moscovo se retire de todos os territórios ocupados na Ucrânia.

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