Junho foi o mês mais mortal dos últimos 42 anos e é possível que registe os números mais altos de mortes em Portugal desde sempre.
Desde 1980 que não se registavam tantas mortes em Portugal num mês de junho. Só em junho de 2022, morreram 10.215 portugueses — uma subida de 26% face à média de mortes diárias entre 2009 e 2019 (pré-pandemia). Esta é a primeira vez que o mês de junho regista mais de nove mil mortes.
É ainda possível que este seja o número mais alto de mortes em Portugal, alguma vez registado num mês de junho, de acordo com a Renascença.
“Uma vez que a tendência de aumento de mortalidade devido ao envelhecimento da população é de subida, se não se verificou de 1980 a 2021 nenhum mês de junho com mais de nove mil óbitos, à partida será o ano que apresenta o mês de junho com mais óbitos”, sublinha Carlos Antunes, matemático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Já se tinha verificado uma situação semelhante no mês de maio, e é ainda possível que se repita em julho, se a tendência das duas primeiras semanas continuar.
“Estamos a caminho, em termos médios acumulados, das 10 mil mortes“, revela Antunes, sendo que em 2020 foram registadas 10.425 mortes em julho.
“A média de julho entre 2000-2019 é de 8.154 mortes. O valor acumulado de óbitos até ao dia 12 já está ao nível do mês de junho”, realça o especialista.
“Se continuarmos com dias com excesso de mortalidade como estamos a verificar agora, e se a onda de calor tiver impacto, porque temos uma onda mais prolongada no tempo e com intensidade mais elevada, atingiremos também as 10 mil mortes”, admite. Nesse caso, “será o nono mês consecutivo com mais dez mil óbitos por mês”.
O terceiro dia que registou mais mortes este ano foi o 14 de junho, algo que não é normal, pois este recorde costuma ser ocupado pelos meses de inverno.
Só nesse dia, morreram 414 pessoas em Portugal. Entre 2009 e 2021, foram registadas em média 262 mortes no mesmo dia.
Relativamente à explicação para um número tão elevado de mortes, a pandemia de covid-19 apenas cobre uma parte do problema.
Em junho, morreram 977 pessoas devido ao coronavírus, o que representa apenas 10% do total de mortes do mês. Ao verificar o número excessivo de mortes em junho, face à média histórica, a covid representa menos de metade das mortes — 43%. Mas o que é que explica as 1.302 mortes a mais?
A Direção Geral da Saúde (DGS) não conseguiu ainda explicar este fenómeno, admitindo que “a codificação (dos óbitos de 2021 e de 2022) ainda se encontra a decorrer e necessita de ser validada com o INE”.
A entidade lembra ainda que “a codificação das causas básicas de morte é um processo realizado de forma retrospetiva, obedecendo às recomendações da Organização Mundial de Saúde”.
Segundo a DGS, nos Relatórios de Monitorização da Situação Epidemiológica da covid-19 de 25 de maio, 1 de junho e 8 de junho, foram identificados “períodos de excesso de mortalidade por todas as causas, associados ao aumento da mortalidade específica por covid-19″.
A entidade realça ainda que o calor pode ser um dos fatores que contribuiu para que o número de mortes disparasse: “A temperatura média do ar semanal tem estado acima do normal para esta época do ano, o que poderá igualmente estar a condicionar o período de excesso de mortalidade observado em Portugal”.
Paulo Santos, médico e investigador do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, também concorda que o aumento da temperatura poderá explicar parte do excesso de mortes em junho.
“Este pico de mortalidade corresponde sobretudo a mortalidade não prematura, acima dos 70 anos”, sublinha o médico.
“Acaba por corresponder um bocadinho àquelas mortes expectáveis, mas muito concentradas provavelmente por causa do pico de calor”, acrescenta.
De acordo com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) o mês de junho de 2022 foi um mês “quente e seco“.
Os dados do IPMA mostram que na véspera do pico de mortes a 14 de junho, Portugal Continental atingiu os 34ºC de temperatura máxima, não tendo sido, no entanto, o dia mais quente do mês. A 25 de junho, Santarém atingiu os 39.4°C.
A temperatura média em junho foi de 20.40 °C. Este valor é 0.98 °C superior ao valor normal registado entre 1971 e 2000. Valores de temperatura média superiores aos agora registados ocorreram em 25% dos anos desde 1931.
No entanto, “as pessoas não morrem por causa do calor, morrem de doença cardiovascular, de cancro, de doença respiratória, de doença infetocontagiosa. Estas serão as causas de morte durante este verão, como são normalmente durante o ano inteiro”, admite Paulo Santos.
O calor extremo é um fator de risco que pode fazer com que as doenças se manifestem de forma mais grave, refere o investigador.
“Quanto mais dias se prolongar“, mais significativo será o impacto — algo que poderá acontecer na vaga de calor desta semana, conclui Paulo Santos.