Um fungo mortal tem sexo às escondidas. Pode ser um mau presságio para os humanos

Shawn Lockhart / Centers for Disease Control

Estirpe de Candida auris numa placa de Petri, no CDC

Em 2009, uma levedura nunca antes vista emergiu do canal auditivo de uma senhora japonesa de 70 anos. E é uma ameaça à saúde.

A levedura, conhecida como Candida auris, é uma ameaça à saúde, tendo-se agora espalhado pelo mundo e tornado resistente a medicamentos. Um novo estudo mostra agora que também se reproduz de uma forma inesperada.

A levedura tem um historial de acabar em hospitais e infetar aqueles com sistemas imunitários mais fracos. Infelizmente, não fica apenas no ouvido, pode também entrar na corrente sanguínea: sem um antifúngico eficaz, os doentes podem morrer.

Normalmente, o fungo é reproduz-se de forma assexuada, através da divisão em células. Mas investigadores da Universidade McMaster no Canadá detetaram agora indícios de reprodução sexual na C. auris. Isto pode resultar em estirpes mais resistentes a medicação e mais virulentas do fungo.

“Até agora, não foram relatadas quaisquer provas de acasalamento e reprodução sexual em C. auris“, escreveu a equipa no novo estudo, publicado no Computacional and Structural Biotechnology Journal, a 18 de junho.

“Este estudo identificou provas limitadas mas inequívocas de recombinação, tanto na amostra total como dentro de individuais”, acrescentam os autores.

A recombinação — remodelação da informação genética — não pode acontecer na reprodução assexuada, o que significa que em algum momento do passado a informação genética se misturou, noticia a Science Alert.

Embora ainda não tenha sido possível ver o fungo a reproduzir-se, a ideia de que C. auris ocasionalmente se reproduz sexualmente não é tão louca como parece.

Um tipo de levedura mais conhecido, o Saccharomyces cerevisiae (usada na fermentação) acasala de forma ocasional — principalmente quando é submetida a condições stressantes.

A equipa não apanhou C. auris em flagrante, mas foi capaz de analisar os genes fúngicos e mitocondriais em 1.285 estirpes de fungos.

Isto permitiu-lhes analisar as diferenças genéticas entre cinco frações de C. auris, bem como dentro de cada uma delas.

A equipa encontrou alguma recombinação, mas a maior parte ocorreu antes de a levedura se ter dividido. Algumas parecem ter perdido a capacidade de acasalar, enquanto outras tiveram uma recombinação limitada desde a divisão.

A equipa de investigação explica que, embora o sexo possa estar a acontecer ocasionalmente, não é algo muito frequente.

Mas mesmo o sexo pouco frequente pode potencialmente causar novas resistências ou outras formas de tornar este patogénico pior para os humanos.

“A investigação diz-nos que este fungo recombinou no passado e pode recombinar na natureza, o que lhe permite gerar novas variantes genéticas muito rapidamente”, sublinha Jianping Xu, geneticista microbiano da Universidade McMaster.

“Pode parecer assustador”, acrescenta, mas também tem um lado positivo. “Como aprendemos que podem recombinar na natureza, podemos replicar o processo em laboratório, permitindo compreender a virulência e resistência à medicação, bem como outros traços que tornam o patogénico tão perigoso”.

Embora seja necessária mais investigação para compreender melhor o fungo que pode ser a primeira infeção espalhada pelas alterações climáticas, compreender como funciona a sua reprodução é uma boa forma de começar.

Portugal chegou a estar em alerta em 2019, dada a proliferação da doença infeciosa causada pelo Candida auris, que se revela mortal para até 72% dos doentes.

Alice Carqueja, ZAP //

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