Após as declarações cordiais iniciais, em que líder cessante e futuro trocaram votos de boa sorte, Montenegro partiu para um ataque cerrado ao atual Governo e apontou que o caminho do PSD tem que ser “convencer” os eleitores.
É uma imagem que há muito não se via no seio do partido social-democrata: duas alas distintas, rivais, lado-a-lado e prontas para enterrar o machado de guerra que durante anos a fio perturbou o normal funcionamento da estrutura e do seu papel como principal oposição ao Governo de António Costa- No início do 40.º Congresso, Rui Rio, líder cessante, e Luís Montenegro, líder eleito, entraram juntos na principal sala do Pavilhão Rosa Mota repleta de militantes sedentos por virar a página.
Mas a conversa no púlpito foi outra. Apesar dos elogios mútuos e da mira apontada a António Costa, nas entrelinhas das declarações dos homens da noite foi fácil identificar as mensagens subliminares. Rui Rio foi o primeiro a falar e, após um breve agradecimento aos militantes que durante os últimos anos se dirigiram às urnas para em si depositar confiança, partiu para saudar publicamente Luís Montenegro e desejar-lhe sorte nas suas novas funções.
“Sobre ele pesa a responsabilidade de uma tarefa que eu, melhor do que ninguém, conheço as dificuldades que hoje lhe são inerentes”, apontou Rui Rio, deixando votos que consiga estabelecer uma alternativa social-democrata ao Governo PS, que, como já se adivinhava, e como o PSD sempre disse, está a conduzir Portugal para um patamar de atraso e de ineficácia, relativamente aos nossos congéneres europeus”.
“O país tem de estar acima de tudo e os meus votos são para que Luís Montenegro tenha êxito no serviço a Portugal, que agora vai iniciar a partir da liderança do partido”, afirmou, citado pelo Público. De seguida, o ainda líder passou a enumerar os vários problemas que o país enfrenta, no plano nacional e internacional, sublinhando que “Portugal se preparou mal para um cenário de adversidade”. Apontou ainda o dedo ao PS e à sua falta de espírito reformista, alegando que todas as propostas feitas pelos sociais-democratas esbarraram na intransigência do destinatário da mensagem.
Rui Rio deixou para o fim do seu discurso um breve balanço do seu mandato, após críticas aos políticos que baseiam a sua postura na vida pública com recurso a “técnicos de marketing“. “Procurei cumprir o melhor possível cada uma das etapas do meu percurso como presidente do PSD. Não é possível percorrê-las sem cometer erros nem evitar omissões. Mas é fundamentar realizá-las tendo sempre em mente os princípios que acabei de enunciar”, explicou, acrescentando que preparou a saída “sem dramas, sem precipitações e sem truques, com serenidade e sem sentimentos negativos”.
Na vez do novo líder, Luís Montenegro devolveu os elogios a Rio, a quem começou por agradecer o “esforço que dedicou” à causa do PSD. “E de uma forma ainda mais especial ao doutor Rui Rio, ao companheiro Rui Rio, que tem uma vida pública preenchida no serviço a Portugal e aos portugueses, como deputado na Assembleia da República, como presidente da Câmara Municipal do Porto e, nos últimos anos, como o presidente do PSD”.
Prosseguiu para “saudar todos os militantes do PSD”, nomeadamente Jorge Moreira da Silva, candidato derrotado nas últimas eleições internas do partido e presente no pavilhão Rosa Mota. Feitos os elogios, Montenegro partiu para o segmento do discurso que mais lhe interessava, o da afirmação da sua liderança, em que se tentou distanciar dos anos de Rio e marcar uma oposição clara ao PS – uma crítica que tantas vezes deixou ao mandato de Rio.
“Somos um partido que nunca se descaracterizou nem vai descaracterizar. Acreditamos na iniciativa privada como motor da riqueza, por isso não somos socialistas.” O novo líder esclareceu ainda que o PSD não é um partido ultraliberal, reafirmando a moderação no cenário político português. De seguida, fez a que pode ser tida como uma das primeiras críticas ao seu antecessor, ao mesmo tempo que estabeleceu o caminho para o futuro.
“Não são os eleitores que estão errados, somos nós que não os conseguimos convencer”, afirmou, talvez numa referência às declarações de alguns membros da equipa de Rio na noite das últimas eleições legislativas de 30 de janeiro. Ainda assim, ressalvou que o problema esteve na “falta de tempo” para dar a conhecer e deixar amadurecer as medidas propostas por Rui Rio. Precisamente, também de medidas se fez o discurso de Montenegro, já que o líder recém eleito anunciou que tem propostas para fazer frente às consequências sociais e económicas sentidas pela população na sequência do “processo inflacionista” criado pela guerra na Ucrânia.
Este ponto serviu para Montenegro acusar o Governo de andar “desnorteado” e “desfocado“, ao mesmo tempo que o primeiro-ministro está “distraído”, aponta Luís Montenegro.
Finalmente, o novo homem forte do PSD não fugiu à polémica dos últimos dias e que envolveu António Costa e Pedro Nuno Santos, ministro das infraestruturas. Após descrever a situação como a mais “inusitada, a mais estranha e a mais mal explicada briga entre um primeiro-ministro e um ministro de toda a história democrática”, Luís Montenegro mostrou-se disponível para dialogar sobre o assunto, na sequência da “nota pública e pessoal” deixada por António Costa de “tentar um consenso com o PSD”.
Reconhecendo a necessidade de Portugal reforçar a sua capacidade aeroportuária, o antigo líder parlamentar do PSD ressalvou que o seu partido não aceitará “qualquer chantagem psicológica, política nem institucional. Nem sobre o timing nem sobre o conteúdo da decisão”. Comprometeu-se ainda a tratar o assunto “com sentido de Estado e de proteção do interesse nacional” e não “com ligeireza e com estados de alma”, numa clara crítica à forma como os últimos dias foram geridos pelo Governo.