/

Apesar do boicote à energia russa, a adoção de alternativas verdes enfrenta inúmeros entraves

2

Apesar do desejo de isolar a economia russa o máximo possível, a dependência energética é um problema que não se resolve mesmo com a aposta em energia verde.

A União Europeia importa 40% do seu gás natural da Rússia e mais de metade dos barris de crude que a Rússia exporta diariamente vêm para a Europa. Estes eram dois pressupostos que poucos ousavam questionar antes de 24 de fevereiro, no entanto, a invasão russa à Ucrânia veio alterar o panorama político e económico de forma inesperada, com o ocidente a concordar, quase de forma unânime, que não poderia prosseguir com este nível de dependência. Como tal, a Comissão Europeia anunciou recentemente planos para diminuir as importações de combustível russo no prazo de dez anos.

Esta posição decisiva – a confirmar-se – por parte de algumas das maiores economias mundiais pode acelerar a transição para fontes de energia verde a nível global. No entanto, há um pormenor que tem vindo a escapar nas análises de muitos especialistas: as disrupções na cadeia de fornecimento de metais essenciais – e outros materiais – causadas pela guerra podem também causar perturbações no desenvolvimento de tecnologias alternativas. Por exemplo, a descarbonização exigirá grandes quantidades de energia renovável, assim como novas formas de a transportar e armazenar.

Os países que importavam muito combustível russo vão precisar de substituir as condutas e depósitos por novas redes de transmissão e baterias. Acontece que as tecnologias envolvidas tendem a ser fabricadas a partir de metais e materiais escassos, cujo fornecimento acontece por via da Rússia e da Ucrânia – de forma significativa.

A platina e o paládio são metais preciosos usados para fazer conversores de catalisadores, peças que servem para reduzir a concentração de poluentes nas emissões dos veículos com motores de combustão internos. Nos próximos anos, estes metais também serão usados para produzir células de combustíveis que farão parte dos carros e autocarros que funcionam com hidrogénio de combustão amigo do ambiente.

Adicionar hidrogénio às redes de gás pode deslocar algum do gás natural que é atualmente utilizado para aquecer casas e gerar eletricidade como parte de uma estratégia mais ampla para eliminar gradualmente o combustível fóssil. As máquinas que conseguem produzir combustível hidrogénio através da divisão de moléculas de água com eletricidade são chamadas electrolisadores, sendo elas também feitas com platina e paládio.

De acordo com o The Conversation, mais de 35% do paládio mundial provém da Rússia. A sede da Nordickel, a maior produtora mundial, fica em Moscovo, sendo a empresa responsável por 40% da produção mineira de paládio a nível global. Simultaneamente, 12% da platina mundial também chega da Rússia.

O lítio, o níquel e o cobalto são metais utilizados em baterias de veículos elétricos. Deste conjunto, a região separatista de Donbass possui reservas abundantes do primeiro metal, apesar de o país não ser um grande produtor. A produção na dita região estagnou ainda mais como consequência da guerra.

No que respeita ao colbato, a maioria provém das minas da República Democrática do Congo, conhecida pelas constantes violações dos direitos humanos. A Rússia é o segundo maior produtor, responsável por 4% da oferta global. Numa altura em que os fabricantes de baterias para carros elétricos lutam, contra o tempo, para substituir o colbato por quantidades cada vez maiores de níquel de alta qualidade, 10% do fornecimento deste material é feito pela Rússia.

Ainda assim, há esperança e alternativas para as baterias que se pretendem livres da dependência de colbato e níquel. No entanto, nem estas têm garantias de sucesso, já que também a Rússia é a quarta maior produtora de rocha fosfática, uma matéria-prima utilizada em baterias de fosfato de lítio de ferro – um design alternativo que tem liderado a corrida.

Outra possibilidade que começa a ser estudada é a reciclagem de baterias carros elétricos, o que configuraria uma fonte alternativa de matérias com elevada procura. O entrave aqui seria as quantidades insuficientes de unidades, até que as existentes cheguem ao fim de vida. As baterias de iões de lítio duram entre oito e dez anos, apesar de algumas poderem exceder este prazo ou gozar uma segunda vida noutras aplicações.

Nos próximos anos, a procura por minerais raros deverá aumentar drasticamente. E neste grupo pode incluir-se o neodímio e o disprósio, que podem ser utilizados para fazer os ímanes extremamente fortes dos geradores de turbinas eólicas e os motores eficientes dos carros elétricos.

A Rússia representa apenas cerca de 2% da produção global de minerais raros, pelo que é provável que o impacto imediato da guerra seja pequeno. No entanto, o país detém reservas significativas não desenvolvidas. Em 2020, o país anunciou um investimento de 1,5 mil milhões de dólares para fazer crescer esta indústria. Atualmente, a Rússia carece da indústria e da base tecnológica necessárias para refinar estes materiais e introduzi-los no mercado. Mas com ambições de crescer neste sector, a Rússia poderia, por exemplo, fechar a porta a países que desejem ter acesso a estes materiais.

O custo humano da guerra de Putin contra a Ucrânia é incalculável, mas os custos das alterações climáticas serão sentidos à escala global se as emissões de carbono continuarem a aumentar. Novas cadeias de abastecimento levam anos, em alguns casos décadas, a desenvolver-se, e com um imperativo ardente de descarbonização rápida, o mundo não enfrenta opções fáceis para alimentar a sua transição verde.

ZAP //

Siga o ZAP no Whatsapp

2 Comments

  1. A UE depender em 40% do gás russo só mostra a qualidade dos líderes que a Europa teve na últimas década!…
    E ainda há pouco diziam que a Merkel era uma grande líder… quando ela andava regularmente de “mão dada” com o Putin…

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.