Os especialistas recomendam ainda a manutenção do uso de máscara e o fim das limitações na entrada em bares e discotecas. Portugal está também já numa situação de endemia, mas deve manter-se em alerta.
O Governo reuniu-se esta manhã com os especialistas do Infarmed para fazer um balanço da situação pandémica em Portugal e ouvir as recomendações sobre as medidas que devem ser adoptadas no novo contexto.
O primeiro a falar foi Pedro Pinto Leite, da Direcção-Geral da Saúde, que começou a intervenção enumerando os “vários aspectos positivos” da situação epidemiológica em Portugal, notando a diminuição da incidência a sete dias por 100 mil habitantes, que se regista em todas as regiões do país e em todas as faixas etárias e é agora 45% inferior à registada no mesmo período do ano passado.
O especialista refere que Portugal passou por cinco vagas, tendo o pico da quinta ocorrido a 28 de Janeiro, com 2680 casos em sete dias por 100 mil habitantes.
A alta cobertura vacinal na população é outro factor positivo, com 88% da população acima dos 50 anos já com a terceira dose, o que se reflecte na diminuição do risco de internamento e de morte.
Por cada 100 casos de pessoas infetadas na faixa etária dos 80 ou mais anos, a mortalidade era de 13% para quem não tinha o esquema vacinal completo, 6% para quem tinha o esquema vacinal primário completo e 2% para quem tomou a dose de reforço, sublinha o perito.
Seguiu-se a intervenção de Baltazar Nunes, do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), que começou por ressalvar o valor “muito mais baixo” do índice de transmissibilidade — r(t) — actual (0,76) em relação ao registado na altura do Natal (1,53), tendo apenas subido com a reabertura das escolas.
O perito reforça ainda que a esta tendência pode levar a que “em cerca de dois meses” se atinja “uma incidência muito baixa, de cerca de 160 casos por cem mil habitantes”.
A mortalidade por todas as causas em Portugal encontra-se actualmente ao “nível de uma época de Inverno de excesso de mortalidade baixo a moderado”, de acordo com a análise que compara os dados desde 2007 a 2022.
Baltazar Nunes mostrou ainda gráficos que começam em 2016 e traçam o comportamento de vírus respiratórios, sublinhando que “há um potencial de sazonalidade que se possa vir a formar na circulação da covid-19”.
As previsões que vão até Março de 2023 mostram que é possível que se espere uma nova onda no próximo Outono ou Inverno, com a perda gradual da imunidade que as vacinas dão à população e sem a adopção de outras medidas de controlo. As projecções também não têm em conta o aparecimento de novas variantes.
INSA sugere novo modelo de vigilância
Ana Paula Rodrigues, também do INSA, falou a seguir, e propôs mudanças ao modelo de vigilância da pandemia, dado que a actual situação e a possibilidade do vírus de tornar sazonal tornaram desnecessária e impossível a identificação de todos os casos de covid-19.
Assim, o INSA sugere que a vigilância incida sobre os casos mais graves que têm um impacto na mortalidade e nos serviços de saúde. Deve ser criado um sistema de vigilância de infecções respiratórias e um outro separado para as mais graves, onde se juntaria a covid-19 com a gripe.
“Aquilo que se propõe é que se olhe para o quadro clínico de infeção respiratória de maneira a uniformizar aquilo que vamos observando”, refere Ana Paula Rodrigues, sugerindo assim a optimização dos recursos com a inclusão de agentes respiratórios semelhantes num “novo sistema, a que chamamos Sistema de Vigilância de Doenças Respiratórias, e no Sistema de Vigilância de Doenças Agudas”.
A perita aponta as vantagens deste sistema, que olha para o quadro clínico e não para apenas a infecção em si, e realça que as amostras têm de ser representativas da população nacional e têm de ser uniformes para que se possa comparar a situação portuguesa à de outros países.
“Um ponto muito importante que é preciso garantir é a capacidade de identificação de novas variantes de SARS-CoV-2, mas também das estirpes de gripe, por exemplo as não concordantes com a vacinação sazonal”, observou. O sistema também ajudará a investigar “padrões anormais” na ocorrência de infecções respiratórias e a “estimar a efectividade das vacinas, existentes e novas, e de medicamentos antivirais”.
Covid-19 “objectivamente está endémica”
O epidemiologista Henrique Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, lembra que “as pandemias não duram eternamente, mudam”.
“O agente pode desaparecer, como aconteceu como SARS-COV-1 ou porque o agente passa a ficar presente nas populações em intensidades variáveis e a reiniciar um novo ciclo de infecção e doença. É isso que define uma endemia”, refere, acrescentando que “há muito que o vírus estava a endemizar”.
O perito reforça que “há uma clara relação entre a intensidade das medidas tomadas e o aumento de incidência, número de casos no inverno de há um ano e essa associação é muito menos clara quando a incidência chega a ser duas a quatro vezes maiores”.
Henrique Barros reforça que que a covid-19 “objetivamente está endémica” em Portugal, mas alerta que o facto de ser endémica não tira gravidade à doença e que é preciso continuarmos a estar vigilantes.
“A malária é endémica, a tuberculose é uma doença endémica e é grave”, diz, acrescentando que a endemicidade “tem a ver com a circulação do agente e não com a gravidade”.
O epidemiologista detalhou ainda os resultados de um estudo com uma amostra representativa da população do Porto — 230 pessoas, com mais de 10 anos — que revelou que 98% têm anticorpos, sendo que apenas 18% tinha um histórico de diagnóstico de infecção.
Cerca de 97% desta população representativa do Porto está vacinada e praticamente toda tem presença de anticorpos, referiu Henrique Barros, que sugeriu ainda uma maior monitorização das águas residuais.
Máscara deve manter-se nos espaços interiores
A pneumologista Raquel Duarte fechou traçando dois cenários futuros da resposta da pandemia em Portugal.
No nível 1, onde Portugal se encontra, a perita aconselha que, além de uma rede sentinela, sejam testadas mais regularmente as pessoas com factores de risco, os funcionários do pré-escolar, os locais de maior risco de transmissão e pessoas sintomáticas que tenham sido infectadas.
O uso de máscara deve manter-se nos espaços interiores públicos, nos serviços de saúde, nos transportes públicos, nos transportes TVDE e nos locais exteriores com uma grande concentração de pessoas.
O certificado digital deve ser utilizado em contexto de saúde ocupacional e para a entrada em Portugal deve apenas ser exigido um teste a quem não tem certificado de vacinação válido.
“Caminharíamos para uma situação de normalidade, a que chamamos nível 0, em que se mantenha a vigilância e sem outras limitações”, refere Raquel Duarte.
Já no nível zero, em que a pandemia está ainda mais controlada do que agora, a testagem será apenas feita com o apoio de uma rede sentinela e as máscaras deixam de ser obrigatórias.
“Estamos no momento ideal para passar ao nível 1, mas com avaliações quinzenais para saber se podemos passar para o nível 0”, continua Raquel Duarte, que acrescenta que para entrarmos no nível 0, é precisa uma mortalidade inferior a 20 óbitos por milhão de habitantes e menos de 170 internamentos nas UCI.
A médica termina apelando a um “alívio de medidas, mantendo a monitorização”. “Assistimos a uma mudança de paradigma”, termina.