Nem o levantamento das restrições ajuda Boris. Ex-Ministro do Brexit pede-lhe que “em nome de Deus, vá embora”

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O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson

Num debate aceso na Câmara dos Comuns, Boris apostou todas as fichas no levantamento das restrições para recuperar popularidade. No entanto, a saída de um deputado Conservador para os Trabalhistas e as críticas de um peso-pesado dos Tories foram mais dois duros golpes para o primeiro-ministro.

Numa última tentativa de se segurar como primeiro-ministro depois da onda de escândalos em que se tem visto envolvido com as festas em Downing Street, Boris Johnson anunciou o levantamento de quase todas as restrições, dá conta o Expresso.

As máscaras vão deixar de ser obrigatórias e os certificados de vacinação exigidos para grandes aglomerações ou visitas a lares de idosos também vão cair. Depois de 24 de Março, o isolamento obrigatório de cinco dias para infectados com covid-19 vai acabar e esta data pode até ser antecipada dependendo da evolução da pandemia.

O uso das máscaras para os alunos das escolas secundárias vai também acabar de imediato, uma medida que foi celebrada por alguns deputados Conservadores. Apesar disto, alguns sindicatos de professores e de profissionais de saúde já criticaram a ideia e lembra a disrupção que a covid-19 tem causado na educação.

Keir Starmer, líder dos Trabalhistas, respondeu ao anúncio do primeiro-ministro dizendo que o seu partido está disposto a apoiar as novas medidas já que “não quer ver restrições quando já não são necessárias”, desde que estas sejam baseadas nos dados científicos. Starmer também alertou Boris para que “aja para proteger a saúde pública e não o seu cargo“, lembra o The Guardian.

O primeiro-ministro ressalvou que os dados sobre a covid-19 mostraram “vezes sem conta” que o Governo acertou nas suas principais decisões e que as restrições do Plano B impostas em Dezembro podem ser levantadas na próxima terça-feira. As máscaras vão continuar a ser recomendadas, mas o executivo “vai confiar no julgamento dos britânicos” e não vai criminalizar quem escolher não a usar.

“Vai demitir-se?”

Neste que foi o debate semanal habitual em que o primeiro-ministro responde à Câmara dos Comuns, houve uma pergunta que se destacou entre as outras: “vai demitir-se?“. A resposta de Boris foi sempre a mesma: “não”, lembrando que em breve vai ser divulgado o relatório de Sue Gray, uma funcionária pública especialista em ética parlamentar e criticou a “pressa” da oposição e dos seus críticos internos.

Estes apelos e a elaboração do relatório surgem no seguimento das notícias que dão conta de várias festas em Downing Street que violaram as regras do confinamento, tendo Boris Johnson marcado presença em pelo menos uma em Maio de 2020.

Enquanto detentora de uma posição que não sujeita a uma eleição, é pouco provável que o relatório de Gray acuse directamente o primeiro-ministro de quebrar as regras — e pode ser nessa cartada que Boris está a apostar para se segurar perante a crise No entanto, não há garantias de que o chefe do Governo seja ilibado.

Johnson foi também novamente questionado sobre se mentiu ao parlamento quando negou ter conhecimento destas festas ou participar nelas, algo que implicaria a sua demissão, mas tentou fugir às perguntas e evitou responder com “sim” ou “não”, depois de ter justificado a sua presença na festa de 2020 dizendo que pensava que era uma reunião de trabalho — apesar do email de convite apelar a que os convidados trouxessem álcool.

“Em nome de Deus, vá embora”

Um dos maiores golpes para Boris foi o pedido do peso-pesado dos Tories David Davis, deputado que foi Ministro do Brexit, para que o primeiro-ministro fosse embora “em nome de Deus”, depois de ter passado semanas a defendê-lo dos eleitores zangados. A entrevista de ontem em que Boris disse que ninguém o avisou de que as festas violavam as regras foram a gota de água.

“Espero que os meus líderes assumam a responsabilidade pelos actos que cometem. Ontem ele fez o oposto disso. Por isso eu lembro-o de uma citação que lhe deve ser familiar, de Leopold Amery para Neville Chamberlain: “Já se sentou aqui demasiado tempo, por todo o bem que tem feito. Em nome de Deus, vá-se embora“, atirou Davis, para o choque da bancada Conservadora.

Recorde-se que a demissão de Chamberlain levou à chegada ao poder de Winston Churchill. Em 2014, Boris Johnson escreveu uma biografia sobre Churchill.

Além da crítica pública de Davis, o deputado Conservador Christian Wakeford também anunciou pouco antes do início da sessão que ia abandonar o partido e juntar-se aos Trabalhistas, deixando ainda mais a nu a confusão interna dos Tories.

“Caro primeiro-ministro, [o país] precisa de um Governo que preserve os padrões mais elevados de integridade e de idoneidade na vida pública e, infelizmente, tanto você como o Partido Conservador como um todo, revelaram-se incapazes de oferecer a liderança e o Governo que este país merece”, lê-se na carta de Wakeford.

O deputado diz que o Partido Trabalhista “está pronto para oferecer um Governo alternativo do qual o país se pode orgulhar e não envergonhar”. Wakeford foi recebido de braços abertos, especialmente por representar o círculo eleitoral de Bury South, na zona da red wall que historicamente pertencia aos Trabalhistas, mas que foi perdida para os Conservadores em 2019 e que o partido quer recuperar.

Keir Starmer não perdeu esta oportunidade para atacar Boris Johnson ainda mais neste debate aceso. “Todas as semanas o primeiro-ministro oferece defesas absurdas e inacreditáveis para as festas em Downing Street e todas as semanas são desmascaradas“, acusou, citado pelo The Guardian.

“Primeiro disse que não houve festas, depois apareceu o vídeo, que estragou essa defesa. Depois disse que estava furioso quando descobriu da sua existência — até se saber que esteve na festa no jardim. Na semana passada disse que não sabia que estava numa festa e, surpresa surpresa, ninguém acreditou nele. Esta semana tem uma nova defesa — “ninguém me avisou que violava as regras”. O primeiro-ministro escreveu as regras e acha que esta defesa vai resultar?” rematou Starmer.

O líder da oposição fez ainda um trocadilho em resposta à contestação que ouviu dos Conservadores, dizendo que o líder parlamentar lhes disse para “trazerem as suas próprias vaias” — bring your own boos — em referência ao convite para uma festa em Downing Street em que um secretário de Boris escreveu bring your own booze (tragam as vossas próprias bebidas).

Apesar de Boris responder às críticas citando os números da vacinação, o decréscimo do desemprego jovem, o layoff abrangente e o fim das restrições como bandeiras do seu sucesso, a imprensa britânica já está a contar as horas para a sua saída da liderança dos Conservadores, especialmente dado o descontentamento da base e as quedas a pique nas sondagens.

Segundo as regras, se 54 deputados Conservadores (15% da representação parlamentar) remeterem uma carta com uma moção de censura ao presidente do 1922 Committee, Graham Brady, a exigir uma nova votação para a liderança, está será marcada e Johnson será afastado.

Adriana Peixoto, ZAP //

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