No final do segundo dia do órgão máximo dos sociais-democratas, Miguel Pinto Luz foi o grande opositor ao recém-legitimado líder.
Após se sagrar vencedor, de forma clara, nas eleições diretas que disputou a 4 de dezembro contra Paulo Rangel, Rui Rio chegava ao Congresso do PSD em Santa Maria da Feira sem saber realmente o que esperar da oposição interna. Continuaria a disputar a sua liderança? Daria tréguas depois Rio ter reafirmado a sua liderança pela terceira vez num escrutínio interno? As movimentações em redor das listas ao Conselho Nacional não eram suficientemente claras, pelo que teve que se esperar até ao dia de ontem para se ouvir de viva voz nomes como Luís Montenegro, Paulo Rangel ou Carlos Moedas – que, apesar de nunca ter concorrido internamente contra Rio, mostrou indireta e subtilmente o apoio a Rangel nas últimas diretas.
Deste grupo, o autarca de Lisboa foi mesmo o primeiro a dirigir-se aos congressistas, com um discurso que mereceu aplausos de pé e galvanizou a sala. Ao longo de toda a comunicação, o apoio a Rui Rio foi constante, assim como a mensagem de que o partido unido terá condições para replicar a vitória na capital a todo o país, disponibilizando-se para trabalhar lada a lado com o líder do partido para conseguir tal objetivo.
“Só ganhamos porque estávamos unidos como partido. Só ganhámos porque respondemos concretamente aos problemas. […} A partir deste congresso não há apoiantes de Rui Rio ou apoiantes de Paulo Rangel. Somos todos PSD.”
Para o antigo Comissário Europeu, o partido presida de se apresentar ao eleitorado “com humildade” e oferecer-lhe “ideias concretas”, que “é o que as pessoas esperam hoje da política”. A máquina do PSD, acredita, terá também de “ir falar com os portugueses porta a porta”.
Ao púlpito do Europarque, em Santa Maria da Feira, subiu mais tarde Luís Montenegro, antigo eurodeputado e candidato às diretas do PSD em 2019, que ao longo dos últimos dois anos se manteve em silêncio, mesmo durante a campanha de Paulo Rangel – para a qual tentou reunir esforços apoios, começou por explicar essa escolha, justificando-a pelo bem do partido, mas realçando que tinha estado por “perto”.
Montenegro aproveitou o momento para desafiar Rio a fazer o “teste do algodão” a António Costa, ou seja, questionar o primeiro-ministro sobre a sua disponibilidade para viabilizar um Governo minoritário dos sociais-democratas, tal como Rio admitir numa situação semelhante com o PS. “Esta é a questão central: se o PSD ganhar as próximas eleições e se o PSD formar governo sem maioria absoluta, está o PS disponível para viabilizar dois primeiros orçamentos do Estado?”, questionou. Montenegro afirmou que até concorda com a disponibilidade já manifestada por Rio de viabilizar um eventual governo minoritário do PS, mas apenas com uma condição.
“O PS e António Costa têm de dizer antes das eleições que farão o mesmo connosco“, afirmou, considerando que, se assim não for, os eleitores de centro poderão achar que “é mais seguro” votar nos socialistas.
Luís Montenegro terminou a sua intervenção com uma provocação que muito provavelmente gostaria de não ter de fazer, já que para isso teve de exortar as qualidades de Rui Rio no que respeita a vencer eleições internas. Esse foi o mote para pedir ao líder do partido que faça o o que já fez com ele, Pinto Luz e Rangel e que, em janeiro, vença António Costa.
“Eu queria-lhe dizer dr. Rui Rio, você já demonstrou cá dentro que consegue ser eficaz e aproveitar as oportunidades para ganhar eleições diretas. E eu que o diga e que o diga também o Paulo Rangel, a quem envio uma saudação amiga”, afirmou, referindo-se à condição de ambos de candidatos à liderança do PSD derrotados pelo atual presidente.
Por isso, e reafirmando o seu apoio a Rio, apelou: “queremos que faça o mesmo ao dr. António Costa e ao PS”. “Tem um partido todo consigo, vá em frente, Portugal precisa de nós, Portugal precisa de si”, vincou.
Já Paulo Rangel gastou grande parte do seu tempo de discurso para atacar as políticas dos últimos seis anos, dizendo que “o projeto do PS e do seu líder exauriu-se, esgotou-se”, pelo que, entende, está na hora de dizer “basta de PS” e, consequentemente, “gerar uma alternativa forte, galvanizadora, capaz de devolver a esperança aos portugueses”.
Nas poucas palavras que proferiu sobre as eleições diretas do início do mês, Rangel esclareceu que aceitou “os resultados renhidos, mas claros”. “Sem abdicar das minhas convicções, disponível para servir Portugal, os portugueses e o PSD, no presente e no futuro como sempre estive no passado, dou e darei todo o meu apoio ao partido e ao presidente nesta pré-campanha e em toda a campanha eleitoral”, esclareceu.
A única voz discordante do dia seria a de Miguel Pinto Luz, que críticas à postura de Rio, à sua direção – no que respeita às críticas internas – e às opções quando ao futuro.
“É a escola do ‘nós contra tudo e contra todos’, contra o aparelho mesmo quando ele nos dá as vitórias internas, contra a justiça mesmo quando a justiça funciona, contra as sondagens a não ser que nos deem jeito, contra os soundbites, a não ser que sejam os nossos próprios tweets, contra os desleais, porque se atrevem a questionar tudo isto. Há sempre um inimigo que nos persegue (…) Quando não há inimigo, inventa-se um. Sou do tempo em que os líderes do PSD juntavam, em que a lealdade era conquistada passo a passo”, descreveu.
A preocupação com o futuro também foi manifestada, sobretudo face à possibilidade de o partido perder representatividade.
“Se alguns estão preocupados com as sobras de António Costa a 30 de Janeiro, eu estou preocupado com as sobras do nosso partido daqui a 3 anos. Se continuarmos assim, deveremos ficar mais pequenos em números, em resultados e assustadoramente mais pequenos em mentalidade”, disse, sublinhando a riqueza da pluralidade do PSD. “Sou santanista, rangelista, cavaquista, mendista, marcelista, barrosista, manelista, até sou rioísta. Sabem porquê? Porque eu sou é do PSD. Esta é a minha casa e continuará ser e isto para mim é que é ser social-democrata”, atirou.