Tomada total do Afeganistão pelos talibãs será rápida e “trágica”. Retirada de estrangeiros já começou

Jawad Jalali / EPA

Os talibãs estão muito próximos de conquistar Cabul, a capital do Afeganistão, e a ONU e várias embaixadas estrangeiras estão já a retirar civis. Adivinha-se que a tomada total do país aconteça de forma rápida e com a “tragédia” no horizonte.

O presidente da Assistência Médica Internacional (AMI), Fernando Nobre, que em três ocasiões esteve no Afeganistão, acredita que a tomada total do país pelos talibãs acontecerá mais rápido do que é vaticinado, advertindo que uma “tragédia em vários sentidos” se avizinha.

Os talibãs lançaram uma grande ofensiva contra as forças do Governo e, na última semana, fizeram rápidos avanços no terreno. Na sexta-feira, os insurgentes já controlavam metade das capitais das 34 províncias afegãs e aproximavam-se da capital do país.

A captura de uma cidade às portas de Cabul é vista como decisiva e o presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, anunciou que está em “conversações urgentes” com os lideres locais e com os parceiros internacionais para “prevenir mais instabilidade, violência e deslocação de pessoas”.

“Uma nova tragédia” no Afeganistão

Fernando Nobre, que esteve no Afeganistão em 2004, 2006 e 2008, e onde a AMI criou diversos projectos, considera, em declarações à agência Lusa, que a situação actual do país “era previsível”.

O fundador da AMI nota que o Afeganistão tem uma geografia extremamente propícia “a tudo o que é guerra de guerrilha“, mas também porque os povos afegãos têm características guerreiras.

O presidente da AMI alerta que os talibãs estão a trabalhar “de forma metódica”, com uma planificação muito eficaz e conhecendo particularmente bem o terreno.

Além disso, Fernando Nobre faz referência à retirada de diplomatas e de outros cidadãos do país por países como EUA e Reino Unido, notando que “quando o vento da derrota, da fuga se instala, as forças afegãs que vão ficar no terreno não vão ter capacidade de resistência”.

“Acredito que a tomada total do Afeganistão pode ser muito mais rápida do que os três meses que vejo como prenúncio”, salienta Fernando Nobre, prevendo “uma nova tragédia” no país.

O presidente da AMI espera que “o fluxo [de refugiados] se vai intensificar” em direcção ao Irão e ao Paquistão, ou até mesmo rumo a norte para as ex-repúblicas soviéticas do Turquemenistão, Uzbequistão e Tajiquistão.

“A segunda tragédia vai ser o impedimento para as mulheres de terem acesso à educação, como já fizeram durante a primeira ocupação, na medida que consideram que as meninas têm um destino para estar estritamente ao serviço da família”, enumera.

A maior conquista territorial dos talibãs em décadas

A grande ofensiva dos talibãs contra as forças do Governo afegão começou no início de Maio, após começar a retirada final das forças internacionais (EUA e NATO) do país.

Uma retirada que ocorre 20 anos depois do início da intervenção para afastar os talibãs do poder, após os atentados de 11 de Setembro de 2001 nos EUA.

Nas últimas semanas, os talibãs alargaram o seu domínio no território afegão e continuam as ofensivas em vários pontos do país.

Já assumiram o controlo de 140 centros distritais, 19 capitais de província e quase dez passagens de fronteira naquela que é a maior conquista territorial em duas décadas de guerra.

Presidente afegão tenta “solução política”

O Conselho de Segurança das Nações Unidas já manifestou a sua preocupação com a escalada da violência e instou os rebeldes e o Governo afegão a negociarem.

O presidente afegão informou que está a desenvolver “consultas”, que “estão a avançar rapidamente”, dentro do Governo, com líderes políticos e com parceiros internacionais, para encontrar “uma solução política”.

Os media internacionais falam na possibilidade de o Governo afegão vir a dividir o poder com os talibãs.

“A remobilização das nossas forças de segurança e defesa é a nossa prioridade número um”, referiu Ashraf Ghani numa declaração ao país.

Vários países retiram civis do Afeganistão

Entretanto, os EUA já enviaram militares para o Afeganistão para retirar diplomatas e outros civis do território.

A ONU revelou também que está a transferir alguns dos seus funcionários no país para Cabul face ao avanço dos talibãs, mas ressalvou que não se trata de uma “evacuação”.

“Estamos a avaliar a situação de segurança a cada hora, tanto em Cabul como noutros lugares”, garantiu o porta-voz das Nações Unidas, Stéphane Dujarric, em conferência de imprensa.

A ONU tem cerca de 300 funcionários internacionais e perto de 3.400 afegãos a trabalhar no país e, apesar do rápido avanço militar dos talibãs, tem insistido em todos os momentos que a sua intenção é continuar a ajudar os civis.

Também o Governo de Espanha indicou, num comunicado, que vai repatriar os cidadãos espanhóis que se encontram no Afeganistão, bem como os funcionários da embaixada em Cabul e os afegãos e respectivas famílias que trabalharam nos últimos anos com os militares.

O anúncio de Espanha surge depois de idêntica decisão ter sido anunciada por Holanda, Dinamarca, Noruega e Finlândia.

A Alemanha também anunciou que irá reduzir o seu quadro diplomático em Cabul ao “mínimo absoluto”.

ZAP // Lusa

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