O cozinheiro português Carlos Henriques, co-fundador de um dos poucos restaurantes “desperdício zero” do mundo, vem a Lisboa defender que é possível aplicar os mesmos princípios a qualquer cozinha, seja um restaurante de elite ou a cantina de uma escola.
Em declarações à Lusa antes da conferência “Porquê Desperdiçar”, que se realiza na segunda-feira organizada pela embaixada da Finlândia em Lisboa, Carlos Henriques afirmou que tudo no “Nolla”, que mantém em Helsínquia, é pensado para “não normalizar o desperdício”.
Além de pensar na ementa diária, os cozinheiros deste restaurante “fine dining” entendem que mais importante seria mudar de abordagem “nas cantinas das escolas ou das prisões“, onde o impacto seria maior do que junto das cerca de 50 pessoas que o Nolla serve todos os dias.
“Seja em restaurantes de luxo, seja numa escola onde se servem mil refeições, é aceitável deitar coisas para o lixo. Isto não é aceitável“, salientou.
“Não temos caixotes de lixo. Cada ‘chef’ tem um contentor pequeno feito de vidro transparente. Toda a gente pode ver o que está a deitar fora e tem tempo para pensar. Na cozinha também temos um ‘software’ em que tem que se dizer o quê e por que razão se deita fora, quem deita e quando”, descreveu.
O que se deita fora vai para compostagem, para um sistema que pode compostar mais de 80 quilos de resíduos num dia, quantidade que no Nolla se atinge ao fim de uma semana.
Todas as terças-feiras, o restaurante é visitado pelos agricultores e produtores locais que o fornecem e levam eles próprios uma parte do que foi obtido na compostagem, poupando-se uma viagem. A preocupação com a sustentabilidade começa na compra dos produtos mas estende-se “à roupa, aos copos, à eletricidade que se gasta”, indicou, um trabalho que “não acabou e nunca vai acabar”.
Há dois meses, os responsáveis do Nolla encontraram com uma destilaria local uma maneira de poupar dinheiro e encurtar a sua pegada ecológica, optando por armazenar destilados como uísque e gin em barris de cerveja reutilizados. Cada barril funciona através de uma torneira, como aquelas em que se tira uma imperial, e o restaurante poupa no transporte, no armazenamento e na compra de mais garrafas de vidro.
“Até contra a reciclagem tento lutar. É uma espécie de penso que não faz a ferida parar de sangrar. Mandamos uma garrafa de vidro para a reciclagem, por vezes noutro país, vamos gastar energia a derreter a garrafa para fazer outra garrafa e até achamos que é uma medida inteligente. Quando explicou à mãe como faz as coisas em Helsínquia, Carlos Henriques recebeu como resposta: “mas isso é o que nós costumávamos fazer sempre, antigamente”.
Carlos Henriques afirma não ter planos para alargar o Nolla, referindo que isso faria perder o caráter único do local, obrigando a receitas padronizadas. Por enquanto, e por muito que gostasse de alargar a filosofia do desperdício zero, o Nolla “é um caso completamente à parte”.
Segundo os organizadores da conferência, “o desperdício alimentar representa 8% das emissões globais de gases com efeito de estufa. Estima-se que cerca de um terço da comida produzida é deitada para o lixo, enquanto uma em cada nove pessoas no mundo continua malnutrida”.
A conferência decorre na segunda-feira de manhã, 11 de novembro, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e é aberta pela secretária de Estado do Ambiente, Inês dos Santos Costa.
// Lusa