Estima-se que 10 milhões de bengaleses trabalhem no estrangeiro, particularmente em empregos pouco qualificados no Golfo Pérsico, recebendo em média 400 dólares (cerca de 360 euros) por mês. Para o país de origem, enviam um total de 15 mil milhões de dólares (13,4 mil milhões de euros) por ano, sendo esta segunda maior fonte de lucro daquela nação, depois da indústria têxtil.
Como se progride em Bangladesh? Muitas vezes, deixando Bangladesh, lê-se num artigo da NPR, divulgado na segunda-feira. Somente a Índia, o México, a Rússia e a China “enviam” mais trabalhadores para o estrangeiro a cada ano, segundo dados do Banco Mundial.
Os migrantes do Bangladesh trabalham em jardinagem, na construção civil, como zeladores e empregadas domésticas. Em média, ganham 400 dólares por mês, muito mais do que ganhariam se fizessem os mesmos trabalhos no seu país.
Contudo, os seus meses ou anos no exterior podem se transformar em miséria, com histórias de fraudes, exploração e abuso, relatam ativistas trabalhistas e grupos de direitos humanos.
De acordo com a reportagem da NPR, uma indústria inteira foi desenvolvida em Bangladesh para recrutar, selecionar e encaminhar pessoas que anseiam ir para o exterior.
É o que acontece num dos locais visitados pela rádio nacional pública. Do lado de fora de um prédio comercial de dois andares, no lado leste da capital Daca, jovens que pretendiam conseguir emprego no Golfo Pérsico esperavam na rua. Antes de poderem assinar um contrato de trabalho, precisam ser avaliados numa filial da GAMCA – Associação de Centros Médicos Aprovados pelo Golfo.
Os candidatos a emprego têm que fazer exames físicos na agência saudita para garantir que estão aptos para o trabalho. São rastreados para o VIH, para a tuberculose e para outras doenças infeciosas. Caso os resultados sejam positivos, estão impedidos de trabalhar no Golfo Pérsico. As mulheres têm que fazer um teste de gravidez e são excluídas se estiverem grávidas.
A agência é responsável por remeter as suas impressões digitais e documentos de viagem para um banco de dados centralizado, que estará disponível para as autoridades de imigração nos países para os quais são enviados.
Um dos candidatos é Mohammad Kiron Mia, entrevistado pela NPR quando tentava conseguir um emprego como jardineiro em Omã. Para o homem, de 36 anos, esta era a sua terceira viagem ao exterior. No primeiro contrato, trabalhou como alfaiate em Omã, durante sete meses. No segundo, dois anos como jardineiro.
“Somos pessoas pobres”, disse, acompanhado por vários vizinhos da sua aldeia, que se encontravam do lado de fora da agência. “Os empregos em Omã são as melhores oportunidades para nós, porque a licença de trabalho custa muito menos que uma permissão para a Arábia Saudita ou para o Dubai”.
As taxas de autorização para trabalhar, referiu a NPR, baseiam-se no destino e no emprego e podem custar milhares de dólares.
“Quero uma vida melhor para a minha família e os meus filhos”, frisou Mohammad Kiron Mia. “Posso ganhar o dobro de dinheiro a trabalhar em Omã, comparado a trabalhar aqui em Bangladesh”.
O escritório da GAMCA, onde o homem estava à espera para enviar a documentação, é um dos 46 em Bangladesh que contratam trabalhadores exclusivamente para países do Golfo. Outras agências do género conseguem empregos para os bengaleses na Índia, na Malásia, em Singapura e noutras partes da Ásia.
“Bangladesh é um dos 10 melhores países do mundo em migração e remessas, de acordo com o Banco Mundial“, disse Shariful Islam Hasan, chefe de migração da BRAC, uma agência sem fins lucrativos de desenvolvimento e assistência social do país.
Shariful Islam Hasan contou que as remessas são extremamente importantes para Bangladesh. Os salários de um único migrante ajudam a fornecer educação, cuidados de saúde e alimentação para a família desse trabalhador. Por vezes, os bengaleses trabalham no exterior por cinco, 10 ou 20 anos para tentar alcançar uma vida melhor, indicou.
“Não se encontra uma única pessoa em Bangladesh que não tenha um parente no exterior. Todos estão muito envolvidos com este processo de migração e remessas”, salientou.
Um dos grandes benefícios das remessas, continuou, é que, ao contrário do dinheiro levado para o país pelas exportações provenientes da indústria de vestuário, esse dinheiro está disperso em Bangladesh. Contudo, este ainda é um dos países mais pobres do mundo.
Promessas quebradas
Segundo o chefe de migração da BRAC, há muitos perigos para os trabalhadores estrangeiros. Alguns são enganados pelas agências, que cobram demasiado pelos vistos, pelos voos e pelas permissões de trabalho. Outros, inscrevem-se para fazer um tipo de trabalho, como, por exemplo, conduzir uma carrinha de entrega em Abu Dhabi, e acabam a trabalhar na construção civil no Dubai, debaixo de um calor escaldante.
As mulheres costumam encontrar empregos como empregadas domésticas. Muitas vezes, contou, são sobrecarregadas e sujeitas a abuso físico, emocional e sexual.
“Caso não se tenha folga ou férias, comida ou o que precisa para viver, esse é um tipo de escravidão, de acordo com a definição de escravidão moderna”, disse Shariful Islam Hasan.
Mim Akter Tania, de 22 anos, sabe disso muito bem. Entrevistada pela NPR, contou que compartilha um apartamento com o marido, a filha e outro jovem casal, numa zona populosa da capital de Bangladesh, conhecida como Old Dhaka. Quando conseguiu um contrato para trabalhar como zeladora num hospital na Arábia Saudita, no ano passado, estava “incrivelmente empolgada”.
“Naquela época não tínhamos muito dinheiro, então pensei que ir para a Arábia Saudita poderia nos dar a hipótese de uma vida melhor”, indicou. A mulher esperava crescer no hospital, passando um dia a trabalhar como assistente de enfermagem. Enviou a filha – com apenas um ano na época – para morar com a sua mãe e assinou um contrato de dois anos para trabalhar na Arábia Saudita.
Mas quando chegou a Riad, não havia emprego num hospital. Ao invés disso, foi enviada para trabalhar como empregada doméstica. Depois de trabalhar o dia todo na casa do patrão chefe, era enviada à noite para limpar a casa do seu irmão.
“Sabia que tinha que fazer o trabalho, mas o meu patrão não era um bom ser humano”, desabafou Mim Akter Tania. “Muitas vezes batia-me e comportava-se de forma rude comigo”. Quando o chefe e o irmão tentaram violá-la, fugiu e foi à polícia saudita. Mas os agentes da polícia acabaram por levá-la de volta para a casa do seu empregador.
Dois meses depois de ter chegado, o chefe empurrou-a de uma varanda e Mim Akter Tania quebrou a perna. Do hospital, entrou em contacto com a embaixada de Bangladesh, que a levou para uma casa segura, com outras mulheres bengalesas que também haviam fugido dos seus patrões e estavam à espera para voltar para casa.
O seu ordenado deveria ser de 160 dólares (aproximadamente 143 euros) por mês, mais quarto e alimentação. “Nunca recebi nenhum pagamento pelo trabalho que fiz. Nenhum!”, contou a mulher.
Shariful Islam Hasan e outros defensores dos trabalhadores afirmam que a experiência de Mim Akter Tania é muito comum. Bangladesh “passou a confiar tanto no dinheiro que os trabalhadores mandam para casa todos os meses que os maus tratos e os abusos são frequentemente negligenciados”, relatou o chefe de migração da BRAC.
Trabalhadores menores de idade
Por vezes, até as crianças são levadas para o sistema de trabalhadores estrangeiros.
No Hospital Geral de Kurmitola, perto do aeroporto internacional de Daca, a família Begum estava reunida na sala de espera. A filha, que diziam ter 16 anos, estava encolhida ao lado da mãe. Vestindo uma burka, tinha hematomas na bochecha esquerda, um corte na base do pescoço e recusava-se a falar. A mãe, Minara, contou que não tinham notícias da filha há meses, até ao momento que esta ligou da Arábia Saudita a dizer que estava a voltar para casa.
Segundo Minara, toda a saga tinha começado há meses, quando uma mulher chamada Beauty chegou à aldeia onde morava a família e ofereceu-se para levar a sua filha para trabalhar em limpezas, na cidade de Daca. Enquanto a família não sabia nada da rapariga, todos os meses a Beauty enviava-lhes 16 mil taka, quase 200 dólares (179 euros).
Minara contou que sua filha tinha 15 anos quando deixou a aldeia. Agora, apenas alguns meses depois, o seu passaporte indica que tem 26 anos. Os pais do jovem acreditam que Beauty arranjou um passaporte falso para a filha.
Minara e o marido levaram a adolescente diretamente para do aeroporto para o hospital, mas a mesma não deixava os médicos ou os enfermeiros tocá-la, recusando a entrar numa pequena sala de exames, tendo também medo de entrar nas casas-de-banho públicas do hospital. Tudo o que dizia é que quer ir para casa.
De acordo com o artigo da NPR, Minara ainda está a tentar entender o que aconteceu com a filha. Uma das coisas que a fez pensar que o jovem estava bem era o salário que chegava todos os meses como um relógio. A mulher não fazia ideia de que esse dinheiro vinha da Arábia Saudita – e que fazia parte das centenas de milhões de dólares em remessas estrangeiras que fluem todos os meses para o Bangladesh.