/

Primavera em Plutão: uma análise ao longo de 30 anos

New Horizons / NASA

Imagem de Plutão enviada pela New Horizons em julho de 2015

Sempre que passa em frente de uma estrela, Plutão fornece informações preciosas sobre a sua atmosfera, preciosas porque as ocultações de Plutão são raras.  A investigação realizada por investigadores do Observatório de Paris, ao longo de várias décadas, foi publicada dia 10 de maio de 2019 na revista Astronomy & Astrophysics.

Interpretada à luz dos dados recolhidos em 2015 pela sonda New Horizons, permite refinar os parâmetros físicos essenciais para uma melhor compreensão do clima de Plutão e para prever futuras ocultações do planeta anão. Tal como a Terra, a atmosfera de Plutão é essencialmente composta por azoto, mas a comparação para aí.

Situado para lá de Neptuno, Plutão leva 248 anos a completar uma órbita em torno do Sol. Durante o ano plutoniano, a sua distância ao Sol varia muito, de 30 a 50 UA, levando a ciclos sazonais extremos. Com temperaturas superficiais extremamente baixas, inferiores a -230º C, há um equilíbrio sólido-gasoso, onde uma ténue atmosfera de essencialmente azoto coexiste com depósitos de gelo à superfície.

Atualmente, estima-se que o vapor de azoto esteja estabilizado a uma pressão de mais ou menos 1,3 pascal (ao passo que na Terra a pressão é de cerca de 100.000 Pa).

Dada a obliquidade (o ângulo formado entre o eixo polar e o plano orbital) do planeta anão, 120 graus, os polos de Plutão enfrentam sucessivamente um dia permanente durante várias décadas, e depois uma noite permanente. Isto leva a um ciclo complexo de redistribuição dos seus materiais voláteis como azoto, metano e monóxido de carbono. Assim sendo, Plutão teve o seu equinócio em 1988, antes de passar pelo periélio (a 30 UA) em 1989. Desde então, o planeta anão afastou-se continuamente do Sol até alcançar 32 UA em 2016, o que representa uma perda de 25% da sua insolação média.

Ingenuamente, era esperada uma queda acentuada na pressão atmosférica. De facto, o equilíbrio gasoso-sólido do azoto impõe que para cada grau Kelvin perdido à superfície, a pressão diminua por um fator de dois.

Mas ocorre o exato oposto. A prova é fornecida pelo artigo publicado na Astronomy & Astrophysics de dia 10 de maio, que analisa uma dúzia de ocultações estelares observadas ao longo de quase 30 anos, durante a primavera no hemisfério norte de Plutão: a pressão atmosférica aumentou por um fator de três entre 1988 e 2016.

Este cenário paradoxal já era considerado pelos modelos climáticos globais de Plutão desde a década de 1990, mas sem certeza, apenas como um cenário entre muitos outros. Vários parâmetros importantes do modelo permaneciam por restringir pelas observações.

Estas observações das ocultações estelares a partir da Terra, juntamente com dados recolhidos durante a passagem da New Horizons da NASA por Plutão em julho de 2015, permitem agora descrever um cenário muito mais preciso.

A New Horizons mapeou a distribuição e a topografia do gelo à superfície do planeta anão, revelando uma vasta depressão com mais de 1000 km de diâmetro e 4 km de profundidade, localizada perto do equador entre as latitudes 25º S e 50º N, de nome Sputnik Planitia. Esta depressão retém uma parte do azoto disponível na atmosfera, formando um glaciar gigantesco que é o verdadeiro “coração” do clima do planeta anão, pois regula a circulação atmosférica por meio da sublimação do azoto.

Em adição, as ocultações estelares permitem restringir a inércia térmica do subsolo no modelo, explicando a mudança de fase de trinta anos entre a transição para o periélio (1989) e o aumento da pressão ainda observado hoje em dia. O subsolo armazenou o calor e está a restaurá-lo gradualmente. As ocultações também restringem a fração de energia solar devolvida ao espaço (albedo de Bond) do azoto gelado e a sua emissividade.

Finalmente, estas observações eliminam a possibilidade da presença de um reservatório de azoto no hemisfério sul (atualmente em noite permanente), que produziria um máximo de pressão muito mais cedo do que o observado (curva magenta na figura).

Este estudo é uma boa ilustração da complementaridade entre as observações terrestres e espaciais. Sem a passagem da New Horizons, a distribuição do gelo e a topografia permaneceriam desconhecidas, e sem a monitorização a longo prazo da atmosfera, os modelos climáticos de Plutão não poderiam ser restringidos.

Previsão de ocultações futuras

Finalmente, as ocultações também fornecem 19 posições de Plutão entre 1988 e 2016, com uma precisão inigualável de alguns milissegundos de arco no céu. Tal precisão, possível graças à segunda versão de dados da missão europeia Gaia, permite que os autores calculem efemérides de Plutão com a mesma precisão para a próxima década.

Assim, será possível observar outras ocultações por Plutão e monitorizar o seu clima… os modelos teóricos indicam que a atmosfera de Plutão está atualmente perto da sua expansão máxima. As observações futuras podem confirmar ou refutar esta previsão.

Será que vamos em breve ver o começo desse lento declínio, que deverá reduzir por um fator de 20 a pressão atmosférica de Plutão no final, e cobrir a sua superfície com uma fina camada de “geada branca”?

// CCVAlg

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.