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Mutação genética rara faz com que Jo não tenha medo nem dores

Jo Cameron tem 71 anos e praticamente não sente dor nenhum. Também não tem medo nem fica ansiosa. Ela vive em Iverness, na Escócia, e é uma das duas pessoas no mundo diagnosticadas com uma rara mutação genética.

Há seis anos, quando foi submetida a uma cirurgia, descobriu que era diferente. Os médicos não acreditaram que ela não precisava de analgésicos no pós-operatório. Jo foi operada à mão e não sentiu necessidade de tomar medicamentos para a dor.

Como dispensou os analgésicos, o anestesista Devij Srivastava levou o caso a geneticistas especializados em dor das universidades University College London e Oxford.

“Quando soube que não estava a tomar anestésicos, o médico descobriu que eu nunca tinha pedido analgésicos”, conta Jo Cameron. Foi aí que foi encaminhada para uma consulta com especialistas em Inglaterra. Ao ser diagnosticada com a mutação, Jo percebeu que, na verdade, não estava “incrivelmente saudável” como pensava.

Jo sempre soube que não precisava de remédios para dor, mas nunca se perguntou porquê. “Eu era apenas uma pessoa feliz, não percebi que havia algo diferente em mim”, referiu.

Ela não percebia, mas sempre tolerou a dor numa escala muito maior que as outras pessoas – até mesmo no parto. “Foi estranho, não doeu”, conta. Na cozinha, com frequência, Jo queima o braço no fogão. Só percebe quando a pele começa a cheirar a carne chamuscada. Nem assim notou que era insensível à dor.

Ela garante que não tem vontade de mudar, mas reconhece que a dor tem a sua importância. “A dor existe por uma razão, para te avisar. É um alerta“, avalia. “Seria bom ter um aviso quando algo está errado”, afirma.

Médicos acreditam que ela também consegue curar-se mais rápido que o normal. Os especialistas dizem que Jo tem uma combinação muito específica de genes que a torna mais esquecida e a faz sentir-se menos ansiosa. “É chamado o gene feliz ou do esquecimento. Eu incomodo as pessoas por ser feliz e esquecida o tempo todo. Agora, tenho uma desculpa”, observa.

Jo também não tem medo. Recentemente, bateu o carro. Nem ligou para o episódio que deixaria muita gente chateada. “Não tenho adrenalina. Toda a gente deveria ter aquele aviso, faz parte de ser humano”. Depois da choque, a outra motorista estava a tremer. Já ela, estava calma. “Não tenho esse tipo de reação. Não é ser corajoso, simplesmente não existe medo”.

Os investigadores acreditam que Jo herdou duas mutações na zona do genoma humano que guarda as instruções sobre como eliminar a anandamida. “Não acreditamos que sofra de um problema na transmissão da dor, mas da abundância de anandamida no cérebro que, devido aos seus defeitos genéticos, faz que não sinta a dor”, resume Srivastava.

Investigadores acreditam que haja mais pessoas como Jo no mundo. “Um em cada dois pacientes após cirurgias ainda experimentam dor moderada a grave, apesar de todos os avanços no desenvolvimento de analgésicos. Resta saber se novos tratamentos poderiam ser desenvolvidos com base nos resultados”, disse o anestesista Devij Srivastava.

Há estudos de novos medicamentos que poderiam oferecer alívio da dor pós-cirúrgica e também acelerar a cicatrização de feridas. “Esperamos que isto ajude os 330 milhões de pacientes que se submetem a cirurgias no mundo todos os anos”, disse o médico.

O caso de Jo vai ser convertido num artigo académico na revista British Journal of Anaesthesia, assinado pelo médico Srivastava and James Cox, da UCL. Cox diz que pessoas com insensibilidade rara à dor podem ser valiosas para investigações médicas.

O caso de Jo pode ajudar outros pacientes a lidar melhor com a dor. “Aprendemos como as suas mutações genéticas afetam a forma como as pessoas experimentam a dor, por isso encorajamos qualquer um que não sinta dor a manifestar-se. Esperamos que, com o tempo, os nossos achados possam contribuir para a pesquisa clínica para dor e ansiedade no pós-operatório, dor crónica e cicatrização de feridas”, explica Cox.

Jo vê o futuro com entusiasmo. “Há muitíssimas pessoas que sentem muita dor. Ficarei muito feliz se a minha genética ajudar a encontrar uma maneira natural de reduzir o sofrimento”, acredita.

ZAP // BBC

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